Aulas de atendimentos simulado inspiraram projeto voltado para a diversidade que pretende aprimorar as abordagens de tratamento dos profissionais da saúde em formação
Por Isabela Tota
Em razão de muitas dificuldades enfrentadas pela comunidade em atendimentos médicos e de médicos recém-formados despreparados para atender a população, o Hospital Universitário Antônio Pedro, pela primeira vez, no estado do Rio de Janeiro implementa aulas de atendimento simulado humanizado na grade horária.
Essa disciplina faz parte do internato, em que os alunos que estão quase se formando em medicina, estão nos anos finais. A ideia surgiu do professor Ronaldo Gismondi (43), que se inspirou nas aulas simuladas que ele viu no estado de São Paulo. Além de perceber uma dificuldade e um medo dos alunos com a parte do atendimento e uma resistência da população em geral de ir ao hospital, existe o medo de grupos prioritários de frequentar médicos decorrente do tratamento levado nas consultas, muitas vezes por médicos despreparados.
Para isso, coordenou essa disciplina junto com Marcos Campello (52), o diretor do coletivo TransParente, um grupo de teatro que trabalha junto com os alunos nas simulações. A aula conta em grande parte com a grade didática teórica, porém tem a parte comportamental. “Não é necessariamente o atendimento real, mas o simulado você permite alguma construção, melhora na didática né, e casos mais típicos que permite construir a ação comportamental para o paciente” afirma o professor Ronaldo.

Foto1: simulação de um atendimento médico. Reprodução: arquivo pessoal
Em uma das simulações, a paciente reclamava de um problema constante de dores de cabeça e os médicos tinham que fazer uma serie de perguntas para descobrir a causa exata e como poderiam ajudar. A atriz Nina Miranda, participante do coletivo interpretava a paciente e depois contou como se sentiu: “eu achei que eles foram muito bem quando eles mencionaram a pergunta do anticoncepcional, ai eu já mandei ah, eu sou uma pessoa trans. Daí, contornaram a situação e perguntaram como eu queria ser tratada, apesar de eu já ter me apresentado daquele modo, eu acho que é assim, eles não interagiram muito comigo enquanto eles estavam fazendo aqueles bagulhetes deles lá (escrevendo a receita), se eu fosse realmente paciente eu iria ficar constrangida e muito impaciente”, ela mostra como as simulações são importante para eles perceberem como podem melhorar como profissionais ao compreender o que a comunidade, nesse caso, uma pessoa trans enfrenta em consultas médicas.

Foto 2: Placa da entrada do centro de simulação realística no HUAP. Reprodução: Arquivo pessoal.
Os estudantes também indagaram um medo que é como poderiam se referir as pessoas trans, caso não constasse o nome social e eles errassem e gerassem constrangimento.
Nina relatou “E nessas questões, você não fica oh! meu Deus, o que que eu faço? você simplesmente fala, ai perdão, era o que tinha escrito ali, como você gostaria de ser tratada? Aí, a pessoa fala o nome dela, o pronome dela, porque se você ficar insistindo nisso vai ser mais constrangedor para ambos, porque a gente já ta acostumado entendeu” e Campello, coordenador do projeto complementou “errar vocês podem errar, o que não pode é você praticar o preconceito, tipo questionar a pessoa, tipo: ah, você é mulher mesmo?”

Foto 3: Grupo de simulação realística. Reprodução: Arquivo pessoal
A disciplina conversou com o tema da diversidade e embora essa não seja a proposta principal, os atores do coletivo sempre levam a diversidade para essas simulações, o que é muito importante e relevante segundo os estudantes e os próprios participantes do teatro.
“Eu pessoalmente sempre que venho aqui, e nos atores sempre tentamos inserir alguma coisa, por exemplo, eles sempre perguntam de anticoncepcional para mim, sempre, e aí eu puxo isso para falar sobre a questão da transgeneridade, por exemplo. Eu tenho um amigo que vem aqui também que é não binário e ele sempre que vem, tenta colocar o nome mais diferente, então, tipo assim, a gente tenta pegar esse espaço” afirma Nina.
Então, eles viram a necessidade de um projeto realmente voltado para os atendimentos de pessoas trans e da comunidade LGBTQIA+ em geral.
“Um parlamentar viu e a gerência de ensino falou vamos fazer um projeto para inserir e aí chamou a professora Sandra, que já estuda essa temática e a Sandra e o Campello montaram esse grupo, esse outro projeto” afirmou Ronaldo Gismondi.
Foi a partir da emenda parlamentar de David Miranda, ex-deputado federal do Rio de Janeiro, que surgiu esse projeto com a temática da diversidade, que consiste em vídeos de atendimentos com pessoas trans mostrando como as consultas deveriam ser, como essas pessoas devem ser tratadas e, depois, serão passados para os profissionais e estudantes da área da saúde e ficarão disponíveis para consultarem sempre que precisarem.
O coletivo TransParente também faz parte do processo e já estão no processo de gravação dos vídeos, com roteiros escritos pelos integrantes do coletivo.
“A gente, por exemplo, tem textos que são focados especificamente na nossa comunidade, eu escrevi dois e um dos textos falava de PrEP PEP (profilaxia pré-exposição e pós-exposição) que é muito voltado para as meninas da rua né e o outro que eu escrevi foi de terapia hormonal. Então nosso trabalho é realmente focado na comunidade, na saúde lgbt” diz Marina, atriz do coletivo. Os vídeos estão em processo de filmagem e ainda não podem ser divulgados, mas o projeto é promissor.