O novo local que já foi palco de 2 competições representa um avanço social, educacional, esportivo e leva no seu nome a história de uma mulher negra e pioneira no esporte brasileiro
Por Renato Lima
“É um projeto pronto para receber competições nacionais e internacionais com parâmetros olímpicos para fomentar o esporte na cidade e atrair um olhar do mundo para Niterói”, conta o Secretário de Esportes e Lazer de Niterói, Rubens Goulart, sobre o mais novo point de provas desse esporte no Rio de Janeiro. As obras foram feitas pela Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa) e custaram cerca de R$ 14,6milhões, envolvendo melhorias no sistema de drenagem, construção de uma nova arquibancada, instalação de iluminação noturna, placar eletrônico, pista para caminhada, uma sala multiuso (que será utilizada pelos professores durante os períodos letivos) e uma maior modernização nos vestiários. Entre algumas remodelações também pode-se citar as áreas destinadas ao saltos com vara, em altura, triplo e em distância, além das pistas retas de 100 metros e ovais, onde a última raia externa passa a medir 460 metros.

Ao ser inaugurado, esse novo espaço é um grande aliado na revitalização do centro da cidade de Niterói, uma vez que ele será integrado ao Parque Poliesportivo da Concha Acústica, outro grande complexo esportivo que atrai os olhares esportivos para essa região. E o ponto de partida da nova pista se deu no dia 19 de maio, quando foi realizado o Grande Prêmio Brasil, prova do Continental Tour da World Atlhetics, a qual valia pontos e índices para a classificação para os Jogos Olímpicos de Paris. Além dessa competição, entre os dias 07 e 09 de junho, a pista também foi palco do Campeonato Brasileiro de Atletismo sub-20, com cerca de 700 jovens utilizando as novas instalações do complexo em busca dos seus sonhos por meio desse esporte.
No torneio internacional de estreia desse grande projeto, diversos nomes importantes tanto nacionais quanto internacionais do meio foram protagonistas das provas realizadas, entre eles Uhuru Figueira, atleta brasileira top-3 do ranking do país na prova dos 800 metros feminino.Após sua participação, a brasileira destacou a importância desse novo local de incentivo ao atletismo: “É muito importante ter mais essa pista no Estado do Rio de Janeiro porque a grande maioria das pistas na região são pistas militares e isso acaba fazendo com que muitas atletas não consigam ter acesso à esses locais para competir e treinar. Mesmo sendo atletas de alta perfomance, muitos casos de competidores sem acesso ainda são muito comuns, então essa pista é uma grande ajuda para o desenvolvimento do esporte na região.”

Apesar da ótima estrutura disponível no complexo dentro da Universidade Federal Fluminense, um ponto que acaba por pegar muitos atletas desprevenidos é a condição e a influência dos ventos oriundos da Baía de Guanabara no desempenho dos mesmos. Segundo eles, dependendo da intensidade dos ventos, as estratégias acabam sendo modificadas e certas provas podem ser prejudicadas por essa condição.
O Complexo de Atletismo precisava ser batizado e a escolha do nome nos traz um pilar do esporte nacional: Complexo de Atletismo Aída dos Santos. A homenagem é para a ex-atleta nascida no Morro do Arroz, em Niterói, e que carrega uma história grandiosa para o esporte brasileiro como um todo, influenciando e motivando atletas que buscam representar modalidades que não tem tanta visibilidade ou suporte .
Aída dos Santos conseguiu se classificar para representar o Brasil no salto em altura nas Olímpiadas de Tóquio, em 1964, mesmo com diversos problemas já que não tinha uniforme, não tinha técnico e ainda era a única mulher na delegação brasileira para os Jogos. E além de todos esses entraves, Aída ainda sofria com algo que ultrapassava as barreiras esportivas: o racismo. Porém, mesmo diante de todas essas barreiras, a brasileira foi para o Japão e a cada dia que passava por lá, a atleta conseguia ajuda para terequipamentos e uniformes emprestados para competir, o que ficou conhecido como o “uniforme que nunca existiu”.
A brasileira relata os momentos de desespero durante a viagem, onde ela acaba lesionando o pé, faz uma competição espetacular e mesmo após o fim da prova não sabia que havia feito história.“Ali, eu não sabia nem qual a classificação em que estava entre as 20 competidoras. Depois que tomei conhecimento, quando cheguei à Vila Olímpica, eu estava em quarto lugar”, contou ela em entrevista ao Projeto Centenário das Negritudes Esportivas. O feito de Aída de ser a primeira mulher brasileira em uma final olímpica é tão marcante que, em 2012, foi lançado um documentário chamado “Aída: Uma Mulher de Garra” retratando toda a trajetória e luta de uma das maiores bandeiras da história tanto esportiva quanto social do país.

Esse exemplo de uma mulher negra, favelada e pioneira segue tanto para as gerações atuais quanto para as futuras, como reflete Uhuru Figueira: “Nós mulheres sabemos a dificuldade que a gente sofre dentro da sociedade porquenós sabemos que as oportunidades ainda não são as mesmas que para os homens. Então eu tenho muita admiração e gratidão à Aída por ter sido esse exemplo de mulher negra, por ter nos permitido estar hoje competindo em Olimpíadas e por poder ser esse espelho mesmo sem apoio e diante de tantas dificuldades.”
A ex-atleta também participou da inauguração do complexo que leva seu nome e também deixou seu apelo para uma maior visibilidade e apoio ao esporte: “As pistas de atletismo estão acabando, virando campos de futebol. Há pouco espaço para o esporte, por isso a inauguração desse complexo é muito importante. Tem que valorizar o que foi feito aqui e cuidar da pista. Acompanhei a obra de perto. Só quem pratica sabe o que é necessário e por isso acompanhei o passo a passo. O atletismo corre nas minhas veias.”
Inspirados por uma história de cinema – literalmente – os novos protagonistas dessa pista unidos por essa iniciativa de integração social, educacional e esportiva buscam ter sucesso no atletismo para que suas histórias possam ser usados em futuras inaugurações ou roteiros que retratem a importância do esporte brasileiro.