A história do Complexo Esportivo Caio Martins durante a ditadura Civil-Militar na cidade de Niterói
Por Isabela Paiva da Silva Bitencourt

Complexo Esportivo Caio Martins Reprodução – Foto: Isabela Paiva
Inaugurado no ano de 1941, o nome do complexo esportivo é uma homenagem ao escoteiro Caio Vianna Martins, que aos 15 anos de idade, sofreu um acidente ferroviário em Minas Gerais e negou auxílio médico em prol de outras vítimas. O estádio que exalta a figura de um rapaz que perdeu a vida para ajudar ao próximo fica localizado na rua Presidente Backer no bairro de Icaraí, S/N, Niterói (RJ). Ao longo de sua história, atuou como um local voltado para cultura, com a presença de shows e apresentações, como um estádio e complexo esportivo e também como o primeiro estádio-prisão da América Latina. Esta última faceta muito desconhecida do grande público. Um símbolo quase esquecido de um período que permanece presente como uma cicatriz na sociedade brasileira.
A turbulenta realidade vivenciada pelo Brasil durante a Ditadura Civil-Militar foi marcada por tensões políticas e sociais, evidenciando a sucessão do poderio militar por meio de um viés autoritário no Brasil. A propaganda e a repressão assomaram uma posição de protagonismo na época, utilizando-se da cultura e da violência como ferramentas de manutenção do poder. Desse modo, a censura foi ativa diante dos diferentes meios de expressão e a perseguição em torno de figuras opositoras ao regime foi significativa.
De acordo com a professora Mariana Tavares do departamento de História da Universidade Federal Fluminense, “A cultura, muitas vezes, pode ser usada como uma fonte, ela pode ser apropriada, melhor dizendo, reapropriada por setores dominantes da sociedade que vão, por exemplo, utilizá-la como um instrumento de uma certa aparência, com uma aparência democrática, mas que por fundo tenta ocultar a violência institucional.”, no caso do complexo esportivo, a cultura foi substituída por uma determinada violência pronunciada, amplamente ignorada e desconhecida por uma vasta parcela da sociedade.

Complexo Esportivo Caio Martins – Foto: Isabela Paiva
A utilização do Caio Martins no período ditatorial com intenções políticas não foi algo necessariamente novo em torno da história do local. Sua inauguração em si representou um emblema do governo de Ernani do Amaral Peixoto e diferentes comemorações do Estado Novo foram perpetuadas no espaço. Em 1964, algumas semanas após o golpe, o estádio foi requisitado com o intuito de alojar os presos políticos do novo governo, criando um ambiente com pessoas de diferentes contextos sociais e etários, misturando grupos diversificados de cidadãos perseguidos no complexo esportivo.
De acordo com o antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), cerca de mais 300 presos políticos foram mantidos em cárcere no local que atuou como um “campo de concentração” no município de Niterói. Relatos em torno do ocorrido discorrem que o número real de prisioneiros possa ser superior a 1000. O Caio Martins foi organizado como um centro de repressão política e social diante da superlotação das celas e galerias dos estados do Rio de Janeiro e da extinta Guanabara.

Cartaz exposto no Complexo Esportivo Caio Martins em 2023 – Reprodução: acervo pessoal
Em relação às reminiscências do período ditatorial no Brasil, a professora continua: “Ainda temos muitos resquícios, muitos traços de um autoritarismo, dessa forma de governo muito impositiva no nosso dia a dia, na forma, por exemplo, de organização das nossas instituições. Aliás, esse não é só um marco da ditadura, mas um marco da própria formação nacional. O Brasil é um país muito moldado ainda pela ótica da violência, com estruturas muito violentas, estruturas institucionais, uma legislação… ainda muito pautada na coerção.”, demarcando a imperiosidade da violência nas instituições nacionais.
Em 2012 uma manifestação ocorreu no estádio, trazendo à atenção essa história extensivamente esquecida da relação entre a ditadura e o Caio Martins. Relatos de vítimas aprisionadas no local denunciaram os crimes cometidos em um espaço apagado da memória política geral do cidadão brasileiro, tal como o uso expressivo de diferentes torturas, em especial as de cunho psicológico.
Apesar de ter sido rememorada em 2010 por meio das Caravanas da Anistia, programa efetuado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, a ampla história do Complexo Esportivo Caio Martins permanece obscurecida na consciência da cidade de Niterói. O local que foi recentemente recuperado pelo governo da cidade, está a ser amplamente debatido em torno de suas futuras funcionalidades para o município e seu ginásio está sendo cotado como locação para um possível show do eterno rei, Roberto Carlos (82).
É expressiva a importância do complexo esportivo para a sociedade niteroiense, havendo uma vasta necessidade de sua conservação, sendo um espaço cultural e social. Entretanto, para que sua reestruturação seja completa, há a premência que a sua natureza seja recordada. Trazendo, assim, dignidade àqueles que sofreram diante das paredes do primeiro estádio-prisão da América Latina.