Antigo bar dá lugar a centro artístico em Niterói.
Por Alícia Carracena
Música alta, mesas e cadeiras nas ruas e centenas de pessoas conversando. Isso qualifica apenas mais uma quinta-feira na Praça Leoni Ramos, popularmente conhecida como “Praça da Cantareira”. Os moradores da cidade de Niterói, e principalmente os estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF), já estão acostumados com as noites animadas pelo local. Às margens da praça, tomando refúgio em um dos antigos casarões, ergue-se o São Dom Dom.
Reduto da vida boêmia niteroiense, o São Dom Dom leva no nome o bairro em que se tornou gigante. A região de São Domingos guarda um passado histórico marcado pela cultura e ascensão da cena artística da cidade. Não é segredo que as ruas de paralelepípedo que cercam a Cantareira contam mais histórias do que podemos imaginar. Ao redor da praça, a vida cultural sempre se fez presente.
O bairro de São Domingos foi uma das primeiras áreas urbanas da chamada “terra de Araribóia”. No século XIX, recebeu a implementação dos trilhos de bonde, que perduram, ainda que sem uso, até os dias atuais, e também marcou-se pela construção do então Estaleiro da Cantareira, que hoje dá lugar ao Espaço Cultural Estação Cantareira – local que se encontra fechado em meio ao limbo de promessas governamentais de valorização cultural.
A região enfrentou a modernização do século XX, quando recebeu a instalação do Campus da UFF no Gragoatá. Essa alteração trouxe um novo perfil para Niterói: o de cidade universitária. Havia assim uma necessidade ainda maior de espaços que pudessem captar a essência da socialização e pluralidade da comunidade de Niterói.
Ainda na década de 90, a cidade entrava na Era Niemeyer e era atingida pela modernidade das obras do arquiteto. Em meio a tantas mudanças, os antigos casarões da praça eram uma das poucas coisas que permaneciam. Muitos deles ainda seguiram como um ambiente residencial, mas a mudança repentina na estruturação e no perfil de Niterói fez com que boa parte deles seguissem o fluxo moderno. A cidade, repleta de universitários, clamava por cultura. Assim, o visagismo permaneceu o mesmo, mas o interior era outro. Bares e restaurantes surgiram nas instalações históricas. O São Dom Dom foi um deles, mas com um grande diferencial.
O casarão com mais de 100 anos já passou por muitas fases, o espaço residencial foi só o início. O Dom Dom já foi casa, orfanato, barbearia, mercearia e então chegou aos cuidados do casal Solanges Pimentel, empresária e produtora, e Claudio Schott, cantor e produtor, que em 2003 transformaram a entrada da casa da tia de Solanges em um bar com uma programação musical diária e diversa ocorrendo no mezanino.
Em 2016, o então bar, já um espaço artístico e de socialização, ainda que de forma indireta, fecha por não contemplar tudo o que deveria ser. Durante os 4 anos seguintes, o casarão foi alugado e passou a funcionar como sede de um brechó e é em 2021 que Bruno Sol, filho de Solanges e Claudio, vê a necessidade de resgatar o lugar por completo. Em meio à pandemia, sem a possibilidade de reabrir o espaço físico, Bruno mostra que o São Dom Dom vai além das paredes da rua da Cantareira e mobiliza uma série de apresentações de forma virtual com artistas que são referência na cena musical, como o saxofonista Zé Canuto e o compositor e cantor Claos Mózi.
Com a perspectiva da volta ativa da vida normal, o Dom Dom passou por uma reforma para, em 2022, ressurgir como uma casa cultural. Hoje, o casarão conta com eventos próprios, mas também fica disponível para trabalhos diversos com coletivos, instituições, marcas, professores, músicos e produtores.
Essa multiplicidade de produções faz com que o São Dom Dom se torne um lugar singular em Niterói, atraindo pessoas de diferentes faixas etárias. Desde crianças, sagazes pelas atividades feitas no espaço, até membros da terceira idade, sedentos pelas lembranças boêmias de quando o lugar ainda se denominava bar, o Dom Dom se enche em dias diversos com sua ampla rede de programações.
Grande parte dos eventos são realizados de maneira bem acessível, buscando viabilizar a promoção da arte para todos. Alguns projetos são gratuitos, outros cobram ingressos em valores pequenos ou então fazem a sugestão de uma ‘entrada colaborativa’, em que o frequentador contribui com quanto pode ou acha que deve pagar.
Bruno Sol, de 24 anos, atual responsável pela casa cultural, retrata a concepção do que o São Dom Dom busca ser: “A cultura é sobre os diversos choques, de diversos cenários que acontecem, e sobre fazer as pessoas se encontrarem. E isso pode ser feito usando o entretenimento ou não. E o que a gente faz aqui é justamente uma função cultural da cidade, que é fazer as pessoas se encontrarem e, é claro, usando a melhor qualidade de entretenimento para isso. […] O rolê aqui é música boa, lugar pra sentar, amizades, conhecer pessoas e realizar encontros. A gente funciona nessa perspectiva de ser acessível e ter uma programação variada para poder receber os tipos de pessoas mais variados possíveis”.
Niterói sempre foi uma cidade marcada pela forte presença cultural, mas São Domingos há algum tempo sentia falta de algo tão forte. É nesse sentido que o centro cultural atrai pessoas de todo o município e vai além. Bruno Sol estima que hoje pelo menos metade dos frequentadores seja de São Gonçalo, cidade vizinha, o que demonstra o modo com a qual essa interseção entre manifestações artísticas vai além das fronteiras do município.
A outra metade é composta por pessoas como João Victor Precht, morador de Niterói e frequentador assíduo do São Dom Dom. Ele relata que “ a quantidade de variedades que o Dom Dom tem é absurda, de cinema a show de rock pesado, heavy metal mesmo, os caras têm. Eles promovem a cultura de todas as formas e de todos os jeitos possíveis e impossíveis. […] Estão sempre correndo atrás de artistas novos e trazendo artistas da casa, artistas locais, para poder fazer uma arte sempre contínua, sempre fluída e sempre com uma rotatividade muito grande. É isso que me chama muita a atenção desse espaço e realmente me deixa abismado um lugar tão incrível nesse nível, que luta tanto pela cultura, ser tão pouco conhecido na cena de Niterói”.
O centro cultural, atuante desde quando ainda nem se denominava assim, é a expressão física da necessidade de ambientes desse valor pro cenário artístico niteroiense. O São Dom Dom é um dos poucos espaços na região que promovem essa perspectiva de uma fusão entre a manifestação cultural e o entretenimento, atuando sobretudo como um local de socialização. O casarão, que passou por diversas transformações durante os anos, permanece com a característica de promover um âmbito familiar, trazendo proximidade com a vida, com a arte e com o factual da sociedade. Para quem convive e reconhece a história da fachada azul na praça em São Domingos, o São Dom Dom não é mais uma casa, mas definitivamente é um lar.
Você pode conferir mais informações e futuros eventos da casa cultural no perfil do Instagram do São Dom Dom.