Alô, Gragoatá!

Muito além do chá da tarde: a colônia inglesa e o esporte em Niterói

Dos primeiros imigrantes britânicos que se estabeleceram em Niterói à criação de clubes, os costumes ingleses ajudaram a moldar a identidade esportiva municipal e estadual.

Por: Camile Hoffmann

A instalação de empresas britânicas em uma capital bem localizada com  espaço de sobra para se expandir, transformou Niterói em um ponto de encontro para trabalhadores ingleses. Do cricket ao futebol, da vela ao polo aquático, a cidade passou a cultivar suas raízes no esporte com a criação de clubes, como o Rio Cricket, fundado em 1872, e o Rio Yacht Club, em 1914. Esses clubes não apenas fortaleceram o cenário esportivo, mas também impulsionaram o intercâmbio cultural, promovendo novas modalidades e integrando a tradição britânica ao cotidiano niteroiense.

No coração de Icaraí, um dos bairros mais movimentados da cidade, foi estabelecido o Rio Cricket. Fundado por ingleses e seus descendentes em busca de maior estabilidade e de um campo próprio, o clube carrega o críquete no nome, mas sempre ofereceu uma diversidade de esportes para seus sócios. Com a primeira quadra de tênis da América do Sul e um time de Rugby que representava o estado, o Rio Cricket foi fundamental para o incentivo ao esporte e serviu como palco para os momentos iniciais de uma paixão: o futebol. A primeira partida registrada do esporte no Rio de Janeiro foi entre os times do Paysandu e do Rio Cricket, terminada em 1×1, e foi promovida por Oscar Cox, principal fundador do Fluminense e filho de um dos fundadores do Rio Cricket, George Cox.

Foto: Camille Hoffmann

“Esse clube é esporte, vive de esporte” destaca Kenneth Buckley em entrevista ao Alô, Gragoatá!. Buckley, membro de uma das famílias mais antigas de associados, compartilhou memórias e histórias que evidenciam a importância do clube para a cidade. De acordo com ele, o clube mantinha-se relativamente fechado ao público geral, pois os ingleses priorizavam a privacidade. Isso fica evidente pelo muro que antes cercava as instalações, em contraste com as grades atuais, que permitem a quem passa pela Rua Marquês do Paraná visualizar o campo. Apesar de reservado, o clube abria suas portas para não sócios em ocasiões em que os jogos não tinham quórum suficiente. Em uma situação especial, chegou a receber a seleção da Escócia para um treino amistoso.

Com o passar do tempo, as empresas britânicas foram fechando as portas e o número de imigrantes foi caindo. Para manter o clube vivo e em funcionamento, o Rio Cricket passou a aceitar cada vez mais sócios brasileiros. Além disso, também foram acrescentadas novas modalidades e acomodações, como o beach tennis e suas quadras, e começaram a surgir “escolinhas” de esportes.

Foto: Camille Hoffmann

Ao ser questionado sobre a relação do clube com a Inglaterra hoje, Buckley afirmou que diminuiu muito, graças à maior concentração de grandes empresas estrangeiras na cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo. Porém, uma conexão que ainda se preserva em alguns pontos é a do Rio Cricket com o Rio Yacht Club.

Fundado em 1914 e inicialmente chamado de Rio Sailing Club, o Rio Yacht Club era voltado para a vela e outros esportes aquáticos. A mudança de nome ocorreu em razão de uma lei implementada durante o Estado Novo de Vargas, que proibia o uso de palavras que não fossem facilmente compreendidas pelos brasileiros. O clube enfrentou desafios, como a redução de associados durante a Primeira Guerra Mundial, já que muitos membros retornaram aos seus países de origem para servir.

O Rio Yacht Club firmou-se como berço para a vela brasileira, esporte que durante os primeiros 20 anos de clube era pouco difundido no país, sem competições ou federações. A partir da década de 50, sócios brasileiros descendentes de europeus começaram a competir e trazer títulos para o Rio Yacht Club. 

Foi nas instalações do clube que a família Grael se desenvolveu como potência velejadora, com atletas como Axel e Erik, que conquistaram o tricampeonato mundial da classe Snipe, tornando-se os primeiros brasileiros tricampeões mundiais em um esporte, e Torben Grael, um dos maiores medalhistas olímpicos na história do Brasil. Ao todo, a família conta com 9 medalhas olímpicas.

A tradição britânica encontrou espaço para se fundir com a cultura local na cidade sorriso. O Rio Cricket e o Rio Yacht Club não apenas simbolizam essa herança, mas também refletem a evolução do esporte na cidade, atraindo novos adeptos e preservando um legado que transcende gerações com impacto duradouro. 

A adaptação às novas gerações demonstra que esses clubes não se restringem somente ao passado, mas que desejam construir um futuro onde o lema inglês de “vida longa para as práticas esportivas” ainda ecoe pelos campos e águas de Niterói.

Compartilhe:

Share on facebook
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on telegram
Share on linkedin

VEJA TAMBÉM

Uffianas

LAC-UFF: laboratório de Física se destaca pela presença feminina

O Laboratório de Radiocarbono da Universidade Federal Fluminense (LAC-UFF) fica localizado no prédio de Física da universidade, no campus da Praia Vermelha, em Niterói. O LAC utiliza-se da técnica de datação por carbono-14 por AMS (espectrometria de massa com aceleradores) para datar amostras.

LEIA MAIS »
Rolar para cima
Pular para o conteúdo