Por Kerolin Ketany de Souza
À primeira vista, Niterói encanta a todos com sua cultura vibrante, estrutura moderna e paisagens deslumbrantes. A cidade com cerca de 500 mil habitantes é frequentemente destacada por ter um índice de desenvolvimento humano (IDH) considerado alto. No entanto, para jovens com deficiência visual um ato simples como atravessar até o outro lado da rua pode se tornar um grande desafio. A ausência de piso tátil, calçadas irregulares e a falta de sinal sonoro nos semáforos do município evidenciam a ausência de uma sinalização acessível a pessoas com deficiência.
Matheus da Cunha Fernandes, deficiente visual e morador de Niterói conta que vem enfrentando alguns obstáculos ao se locomover pela cidade. Além da falta de recursos acessíveis há também uma carência de sensibilidade por parte da população, o que agrava ainda mais sua dificuldade em circular pelo município “Nem sempre as pessoas estão dispostas a ajudar, e isso, junto da ausência de estrutura, me faz sentir limitado e inseguro no meu direito de ir e vir”, completa.
A sensação de insegurança não está somente nas ruas, ela também está presente em espaços privados e instituições públicas “Eu não me sinto nem um pouco tranquilo ao frequentar muitos estabelecimentos. Falta preparo, falta empatia e falta capacitação para lidar com o público com deficiência”, afirma. Segundo ele, a maioria dos profissionais ainda não estão preparados para oferecer um atendimento inclusivo e respeitoso, e poucos lugares demonstram interesse em mudar esse cenário. “São raras as instituições que trabalham com pessoas com deficiência, e não há nenhum movimento consistente para estimular o comércio e os serviços a se adaptarem. A inclusão parece não estar nas prioridades de ninguém”, completa, destacando o quanto isso impacta diretamente sua autonomia e qualidade de vida.
Daniel Leonardo da Silva Costa, estudante da Universidade Federal Fluminense (UFF), enfrenta diariamente os desafios de viver com visão monocular — condição em que a pessoa enxerga apenas com um dos olhos. A limitação afeta diretamente sua percepção de profundidade e relevo, o que torna caminhar pela cidade uma tarefa arriscada. “Às vezes me pego tropeçando em buracos ou caindo em desníveis”, relata Daniel. Apesar das dificuldades, ele aponta uma exceção: “Curiosamente, o centro da cidade é o local onde encontro menos obstáculos. Mesmo sendo menor, é um espaço que, de fato, existe para nós”, afirma, destacando a importância de infraestrutura acessível.
O estudante também reforça a necessidade de avanços no atendimento a pessoas com deficiência, tanto no setor público quanto no privado. Para ele, não basta apenas oferecer estruturas acessíveis — como rampas, pisos táteis ou semáforos sonoros —, é fundamental que haja preparo humano. “Espero que, no futuro, haja mais profissionais qualificados para lidar com esse público. Muitas vezes, o problema não está apenas na falta de acessibilidade física, mas na falta de sensibilidade e conhecimento por parte de quem presta o atendimento”, afirma.
A Coordenadoria de Acessibilidade de Niterói informou que vem atuando ativamente para garantir o cumprimento das normas e promover melhorias estruturais. O órgão destaca que realiza vistorias e fiscalizações regulares em espaços públicos e privados, sempre que solicitados, com o objetivo de assegurar o direito à mobilidade e à inclusão. Entre as ações em andamento, estão parcerias com a Subsecretaria de Transporte, voltadas à fiscalização dos transportes coletivos, e operações conjuntas com a Secretaria de Ordem Pública (SEOP) para desobstruir calçadas e melhorar a circulação nas vias urbanas. A Coordenadoria reconhece os desafios, mas reforça que há esforços contínuos para tornar a cidade mais acessível e inclusiva.
Além das ações práticas, a Coordenadoria de Acessibilidade reforça que a construção de uma Niterói mais inclusiva depende também da escuta ativa das demandas da população com deficiência. A criação de espaços de diálogo, como fóruns, conselhos e audiências públicas, é vista como fundamental para que as políticas públicas atendam às reais necessidades desse grupo. “A verdadeira transformação só ocorre quando todos compreendem a importância dessa causa e atuam para que a inclusão se torne uma prática constante.”, destaca o órgão, que reafirma seu compromisso em seguir desenvolvendo ações integradas com outras secretarias e com a sociedade civil para promover uma cidade verdadeiramente acessível a todos.
Como parte de seus esforços para garantir o direito ao lazer e à ocupação plena dos espaços urbanos, a Coordenadoria de Acessibilidade também desenvolve o programa Niterói Inclusivo, voltado à promoção da acessibilidade nos pontos turísticos da cidade. Entre as ações de destaque está o EcoTur Sem Barreiras, que oferece passeios guiados e gratuitos pelas trilhas do município, utilizando a cadeira juliette — equipamento adaptado para o transporte de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. As edições ocorrem duas vezes por mês, com inscrições prévias e número de vagas ajustado ao nível de dificuldade de cada trajeto. Outro projeto importante é o Praia Sem Barreiras, que garante o acesso de pessoas com deficiência à areia e ao mar, promovendo não apenas inclusão, mas também qualidade de vida e direito à diversão com segurança e dignidade.