Por: Juliana Guahyba
Golpe de Estado, autoritarismo político-militar e censura.A educação no Brasil passa a ter uma premissa de padronização e redução das práticas esportivas na tentativa de direcionar o esporte como uma manifestação de massificação. Nesse contexto, as atléticas universitárias mostram sua força e surgem como símbolo de resistência política, que permeia até os dias de hoje.
As atléticas acadêmicas são organizações administradas exclusivamente pelos próprios estudantes, responsáveis por gerir os times e os esportes de seus devidos cursos, fazendo com que o esporte universitário brasileiro cresça e se desenvolva. JUCS, Engenharíadas, Intermed e Jogos Jurídicos são alguns exemplos de grandes eventos universitários desenvolvidos pelas AAAs – Associações de Atléticas Brasileiras – que ocorrem em feriados, atraindo os universitários pelos jogos com torcidas lotadas e festas que varam a madrugada. Contudo, as atléticas percorreram um longo caminho para estarem de pé até hoje e possuem um valor democrático na história do nosso país. Para entender melhor, é preciso voltar algumas décadas.
As primeiras atléticas do Brasil surgiram em São Paulo e até 1930 o esporte universitário era organizado pelas próprias faculdades, por intermédio dos alunos e semapoio financeiro estatal. Entretanto, o Estado viu a oportunidade de utilizá-lo como ferramenta de propaganda política-ideológica atrelado à uma superioridade militar, e assim, o financiamento passaria a ser responsabilidade do órgão estatal. Foi durante a Era Vargas que o recém criado Conselho Nacional de Desportos institucionalizou a CBDU – Confederação Brasileira de Desportos Universitários – e estabeleceu que os jogos universitários não seriam mais comandados pelas instituições de ensino e sim pelo governo. Além disso, com a instauração do AI-5 – ato institucional que deu ao presidente o direito de promover ações arbitrárias, reforçando a censura e a tortura durante a ditadura – tornou-se obrigatória a prática da educação física no ensino universitário. Tudo isso evidencia a tentativa do Estado, durante o Regime Militar, de promover as atléticas para substituir os Diretórios Acadêmicos e deter a organização política dos estudantes,principais opositores do regime. Ou seja, o aumento de investimento nesse âmbito foi uma estratégia política de desmobilização da resistência do corpo estudantil, por meio do aumento de atividades esportivas para evitar manifestações contrárias ao governo militar.

Foi só a partir da década de 80, com a redemocratização do país, que os movimentos desportivos estudantis e a UNE – União Nacional dos Estudantes – conseguiram cobrar um posicionamento da CBDU em relação ao caráter autoritário e centralizador das ações esportivas e em seguida desse processo, surgiu a primeira atlética no estado do Rio de Janeiro, a A.A.A.R.L. Direito UERJ, em 1991, o que impulsionou a criação de outras organizações esportivas nas universidades do estado. Dessa forma, as atléticas passaram a se envolver ativamente em questões políticas e acompanhando a mentalidade dos estudantes, exercendo um papel de extrema relevância para os movimentos estudantis e como veículo nas lutas contra a violência de gênero, racismo e homofobia. Diante disso, cabe ressaltar os movimentos como os Jogos Sem Racismo e Jogos Sem Machismo, desenvolvidos por atletas e alunos envolvidos nos jogos universitários, os quais exigem que pautas como essas sejam tratadas com a devida seriedade e casos de preconceito e violência não sejam tolerados. Outro caso de envolvimento de atléticas envolvidas em situações políticas que merece destaque é o da bandeira Direito UFF Antifascista, que foi censurada durante as eleições de 2018, mas que mesmo assim obteve apoio de universidades ao redor de todo o país.
João Pedro Boechat, formado em Direito pela UFF, Diretor da Secretaria Executiva do Prefeito de Niterói, ex-presidente da Liga das Atléticas de Niterói e ex-UNE, afirma que a experiência de ser presidente da atlética transformou sua vida. “Hoje, eu sou quem eu sou pela experiência que eu tive e sou extremamente realizado pelo que construí na atlética”, comenta. Sua gestão teve grande envolvimento político, o que influenciou para que ele ingressasse na política após sua formação, trabalhando, atualmente, na assessoria do Rodrigo Neves (prefeito de Niterói) e buscando fortalecer o esporte universitário.
O ex-aluno conta que a atlética do Direito UFF sempre foi ativa em casos emblemáticos e que, desde 2018, quando houveram situações de racismo nos Jogos Jurídicos envolvendo as faculdades participantes, o movimento militante do curso cresceu. Além disso, por volta desse mesmo período, a direita conservadora vinha ganhando força na política diante das eleições e foi nesse momento que Boechat, presidente da atlética na época, teve a ideia de criar a bandeira “Direito UFF Antifascista”. “A gente vendo a onda de autoritarismo e falas absurdas crescendo na política, foi quando eu tive a ideia. Eu estava no estágio na hora e pensei: vamos fazer uma bandeira e pendurar na frente da faculdade”, conta o ex-presidente sobre como surgiu o projeto. Porém, diante do autoritarismo presente na democracia na época, foi censurado no dia seguinte ao seu desenvolvimento, gerando revolta por parte dos alunos, que se mobilizaram juntamente a direção do curso. Medidas foram tomadas na Justiça e o movimento se espalhou rapidamente por outras atléticas do Rio de Janeiro, sendo até noticiado pelo Jornal Nacional. Por fim, a instituição ganhou a causa e os estudantes penduraram a bandeira novamente em seu prédio, se tornando um símbolo de resistência à liberdade de expressão e em defesa das faculdades de se manifestarem politicamente.

“É óbvio que a ditadura usou o esporte para tentar limitar a sociedade, toda ditadura faz isso, mas não significa que o esporte deixa de ser importante”, diz João Pedro sobre a relevância da prática esportiva como ferramenta de desenvolvimento da população e da necessidade dos grupos políticos de esquerda reconhecerem isso. “O caminho certo é valorizá-lo”, completa o advogado.