Da Revolta da Armada aos projetos sociais, o remo em Niterói é exemplo da capacidade do esporte em transformar a sociedade em que está inserido.
Por: Caio Blaudt
O litoral niteroiense é destino turístico de milhares de visitantes todos os anos, porém, o local já foi palco de conflitos marcantes da história brasileira. No século XVI, período em que ficou conhecida como França Antártica, a região foi disputada violentamente por portugueses e franceses. Três séculos depois, a cidade teve seu território destruído pela guerra entre militares da marinha brasileira e o governo republicano, em um movimento popularizado como Revolta da Armada. Foi nesse momento que o Remo se estabeleceu como ator poderoso na reconstrução e mobilização social da cidade.
O surgimento do Remo e a Revolta da Armada
Devido a conexão e proximidade territorial, intensificadas pelo serviço regular de barcas inaugurado em 1835, o remo niteroiense se desenvolveu em articulação com o remo carioca, havendo intercâmbio entre atletas das duas cidades. A partir dos anos de 1870, surgiram as primeiras tentativas de criar clubes de remo em Niterói, porém essas não se mantiveram por muito tempo.
Entre os anos de 1893 e 1894, Niterói, capital do Estado do Rio de Janeiro, sentiu fortemente os impactos da Revolta da Armada. Houve conflitos armados nas ruas e bombardeios por parte de navios estacionados na Baía de Guanabara, que destruíram a cidade. Como consequência, Niterói foi desabastecida e a capital fluminense foi transferida para Petrópolis.
O esporte e os novos heróis.
Após os conflitos, em 1894, iniciou-se um processo de recuperação física e econômica do município, que lutava pelo retorno do título de capital. Nesse contexto, o remo se tornou agente ativo e fundamental de restauração. Já no ano inicial, uma regata foi promovida para arrecadar fundos para a população pobre atingida pelo conflito. A partir desse momento, os remadores adquiriram representação heróica e notoriedade no processo de reconstrução da cidade.
“Como as batalhas da Revolta da Armada foram muito em terra, mas tinham a ver com o mar e Niterói se saiu muito bem nisso, os remadores acabaram sendo representados como a continuidade dos heróis do mar, conformando uma certa tradição náutica que se mantém na cidade até os dias de hoje”.
Victor Andrade de Melo, Professor e Coordenador do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer da UFRJ.
No ano seguinte, em 1895, com o interesse pelo esporte naútico estabelecido, duas importantes agremiações foram criadas pela elite urbana da época: o Grupo de Regatas Gragoatá e o Clube de Regatas Icaraí.
A primeira sede do Grupo de Regatas Gragoatá de 1895 e a atual, respectivamente.
imagens: Caio Blaudt
Rapidamente se geraram encontros entre os associados dos clubes, que passaram a contribuir para a retomada da vida social na cidade, indicando um novo tempo que viria com a superação dos momentos conturbados. Os clubes niteroienses obtiveram notável sucesso nas regatas contra os clubes da cidade do Rio de Janeiro. Como na vitória do Gragoatá, em 1898, no primeiro campeonato organizado do esporte no Brasil, no qual o presidente da República estava presente. O triunfo foi muito comemorado na cidade e repercutiu como divulgador da importância de Niterói no Distrito Federal.
Baleeira Alpha: embarcação utilizada no campeonato de 1898 pelo Gragoatá. Imagem: Grupo de Regatas Gragoatá.
Com o prosseguimento das atividades esportivas marítimas, lideranças do remo niteroiense e líderes políticos se engajaram no processo de reformar a cidade a partir de ideais de civilização e progresso, no qual o remo era um instrumento de formação e valorização da atividade saudável que favorecia a vitalidade humana.
“O Remo é um dos principais esportes do Brasil e do mundo que celebra ideias de modernidade que se manifesta numa corporeidade ‘mais saudável’. Então, com uma juventude mais audaz, combativa e que frequenta mais as praias”, destaca o Professor.
Finalmente, em 1903, Niterói voltou a ser capital do Estado do Rio de Janeiro, muito por conta das iniciativas e das movimentações sociais promovidas pela prática do remo, que contribuíram para reconstruir a cidade, movimentando a cena pública, forjando novos heróis e dialogando com certos princípios modernos. Porém, o Remo, com o decorrer do século XX teve um decréscimo significativo no número de praticantes, devido à poluição e aos aterros que atingiram a principal região do esporte na cidade.
Projeto Favela Rema
Mesmo após a queda da popularidade, nos dias atuais, o remo se manteve relevante socialmente em Niterói com o trabalho dos projetos sociais, como o Favela Rema. Idealizado por Marcus Nery, o projeto tem sua principal base no clube de canoagem Tribo Hoe em Charitas e visa transformar a vida de jovens, de 11 a 18 anos, em situações de vulnerabilidade através do esporte.
Além das aulas de Canoa Havaiana, nome dado a uma embarcação de origem polinésia, a organização promove práticas ecológicas, acompanhamento psicológico e preparação para o mercado de trabalho, os engajando a partir de parcerias com programas de jovem aprendiz. O projeto também se faz presente na comunidade a partir de campanhas de doação de cestas básicas, roupas e brinquedos para famílias fragilizadas socioeconomicamente.
Alunos de Favela Rema junto com o fundador do projeto Marcus Nery. Imagem: Bruno Araújo/Favela rema.
A principal missão e desejo do Favela Rema é expandir territorialmente sua área de atuação, atingindo outros bairros, cidades e até países para disseminar os valores de inclusão, respeito à natureza, educação e exaltação do esporte. O projeto acredita que um jovem participante pode afetar e incentivar positivamente todo seu entorno.
“O esporte me deu oportunidade de emprego, de conhecer pessoas que me ajudaram a dar um novo rumo na minha vida. O esporte dá uma nova perspectiva para a vida de pessoas que estão desacreditadas. Eu tinha o sonho de ser atleta olímpico, mas estou satisfeito com a função que exerço hoje ajudando outros jovens, que têm a mesma origem que a minha, a serem ouvidos e terem voz ativa dentro da sociedade.”
Isaias Marins – Ex-aluno de projetos sociais de remo e atual Coordenador Geral do Projeto Favela Rema.
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