Por: Allan Ignacio
Com mais de 100 anos de história, o Canto do Rio não é apenas um clube de futebol, mas um ícone que carrega a alma de Niterói. Desde os dias dourados nos anos 50 até as recentes dificuldades, o clube sempre foi um espelho da cidade — cheia de glórias, mas também de desafios. Em tempos de transformação no esporte, como o Canto do Rio conseguirá manter seu legado e voltar a brilhar?
Fachada da sede do Canto do Rio. Imagem: Allan Ignacio.
Origem do Canto do Rio
O Canto do Rio Foot-Ball Club foi fundado em 14 de novembro de 1913 por quatro jovens niteroienses: Hugo Mariz de Figueiredo, primeiro presidente do clube; Cyro Domingues, responsável por sugerir o nome ‘Canto do Rio’; Ary Gurjão e Adail Figueiredo. Inicialmente, o clube focou no futebol infantil com o objetivo de promover o esporte, que começava a ganhar popularidade entre os jovens da cidade. Com o passar dos anos, o Canto do Rio ganhou notoriedade, tornando-se não apenas um dos principais representantes esportivos da região, mas também um importante ponto de encontro e um verdadeiro símbolo da identidade niteroiense.
Maiores triunfos
O Cantusca, como é carinhosamente chamado pelos torcedores, rapidamente consolidou-se como o clube mais popular de Niterói. Nas décadas de 1920 a 1950, destacou-se nos campeonatos municipais e integrou o famoso “Grupo dos Seis” que protagonizava o clássico da Zona Norte.
Em 1933, o Canto do Rio conquistou o título municipal de Niterói e foi reconhecido como “representante oficial do estado do Rio”. Tornou-se, em 1941, o primeiro clube do estado a se profissionalizar, obtendo licença especial para disputar o Campeonato Carioca de profissionais, do então Distrito Federal. Sua participação incomodou alguns clubes menores da capital, como o São Cristóvão, que frequentemente contestavam sua presença na competição.
O auge de sua trajetória ocorreu em 1953, na conquista do Torneio Início do Campeonato Carioca ao derrotar o Vasco por 3 a 0 na final no Maracanã. Até 1964, manteve-se na elite do futebol estadual, enfrentando os principais clubes do Rio de Janeiro.
No entanto, em 1964, um episódio marcante mudou sua história: durante uma partida contra o Fluminense, no Estádio Caio Martins, uma confusão generalizada resultou na exclusão definitiva do clube da principal competição estadual. Após a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, na década de 1980, o clube retomou o profissionalismo, alternando participações nas divisões inferiores e reforçando sua relevância como símbolo da história esportiva de Niterói.
Do Canto do Rio para o Mundo
Embora o Canto do Rio tenha alcançado bons resultados em campeonatos municipais e estaduais ao longo dos anos, seu maior destaque sempre foi a formação de grandes atletas. O clube se consolidou como um celeiro de talentos, revelando jogadores que brilharam no futebol nacional e internacional. Entre os nomes que marcaram época, destacam-se figuras como Danilo Faria Alvim, que foi titular da Seleção Brasileira na Copa de 1950, e Gerson “Canhotinha de Ouro”, um dos maiores meio-campistas da história.
Gerson, que chegou ao clube em 1953 com apenas 12 anos e permaneceu até 1957, conquistou os corações dos torcedores e se imortalizou no futebol mundial. Ele foi fundamental na conquista da Copa de 1970, sendo eleito o segundo melhor jogador do torneio e eternizando seu legado como o “Canhotinha de Ouro”, um apelido que simboliza sua genialidade técnica.
A relação do Canto do Rio com Gerson é única e especial. Em 2024, o clube lançou uma camisa em homenagem a ele, além de ter aposentado oficialmente o número 8, que ficou eternamente associado ao seu nome. Este gesto reforça a importância de Gerson para a história do clube e do futebol brasileiro, tornando o “Canhotinha de Ouro” uma lenda viva no coração dos torcedores.
Nas últimas décadas, o clube também viu surgir outros grandes talentos. Marcelo, que revelado nas categorias de base do Canto do Rio, foi protagonista em diversos títulos do Real Madrid, onde se consagrou como uma lenda do futebol, principalmente pela sua qualidade técnica e liderança em campo. Mais recentemente, Vinícius Júnior, também formado no clube, brilhou no Flamengo antes de seguir para o Real Madrid, onde se firmou como um dos maiores nomes da atualidade. A velocidade, os dribles e a precisão com o pé esquerdo de Vinícius Júnior o tornaram uma referência mundial, e ele continua a impressionar com seu talento e compromisso.
Essas grandes histórias são reflexo do excelente trabalho de base desenvolvido no Canto do Rio, que não só celebra nomes lendários mas também continua a revelar talentos até hoje. O clube, mesmo sem disputar as divisões principais, leva anualmente seus jogadores às competições, como a Copinha, e se orgulha de estar presente na Série A de todas as categorias de futsal. Assim, o Canto do Rio mantém a tradição de formar atletas de alto nível, cujos talentos ecoam com força, e que podem cantar com orgulho: “Eu sou do clube que não joga qualquer um.”
Atuais desafios do Cantusca
Apesar de sua rica história, o Canto do Rio enfrentou, em 2023, um duro golpe ao ser desfilado oficialmente da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) no aniversário de Niterói. A decisão, tomada pelo presidente Rubens Lopes, seguiu o Estatuto da FFERJ, que prevê punição a clubes ausentes de competições oficiais por mais de três anos sem licenciamento. Para retornar às competições, o clube precisará refazer sua filiação, com um custo estimado em R$ 500 mil, evidenciando os desafios financeiros e estruturais que enfrenta.
No entanto, o clube segue em busca de soluções. Como explicou o vice-presidente de esportes, Rafael Medeiros:
“Desde a desfiliação, mantivemos o contato junto à FFERJ para entender o processo de uma possível retomada, que não é algo simples. Depende de uma engenharia financeira muito grande, possibilidade de parceria pública e privada. Estamos com algumas ideias e muita gente querendo ajudar, mas precisamos fazer as coisas com inteligência para não errar mais.”
O Canto do Rio sabe que o caminho de recuperação não será fácil, mas a determinação em voltar a brilhar no futebol carioca é clara. Com o apoio de seus parceiros e um planejamento estratégico, o clube busca retomar o seu lugar de destaque, reerguendo sua história e voltando a ser um celeiro de talentos no futebol profissional.
O caminho para voltar ao topo: planejamento e esperança
O retorno ao futebol profissional exigiria mais do que apenas um apoio financeiro; seria preciso um planejamento estratégico sólido. Apesar das dificuldades, 2024 foi um ano de grandes conquistas para o clube, especialmente nas categorias de base, onde o Canto do Rio brilhou ao conquistar títulos importantes, como o Campeonato Estadual Sub-20. O sucesso também se estendeu ao futsal, com vitórias regionais e nacionais, consolidando a força do clube em suas modalidades.
Jovens treinando na quadra do clube Canto do Rio. Imagem: Allan Ignacio.
Rafael Medeiros, vice-presidente de esportes, destacou o momento vivido pelo clube:
“2024 foi um ano muito bom nas categorias de base. Muitos títulos nas diversas competições, acessos à primeira divisão, atletas sendo aprovados nos grandes clubes do Rio. Apesar da desfiliação, estamos com trabalho de excelência. Mas queremos voos maiores.
O legado continua
O Canto do Rio, um símbolo de Niterói e de superação, atravessa um momento decisivo de reestruturação, mas permanece fiel à sua essência de luta e resiliência. Fundado para ser mais do que um clube de futebol, ele se destacou na formação de atletas de renome, como Gérson, Vinícius Júnior e Marcelo, construindo um legado que inspira gerações. Apesar dos desafios financeiros e administrativos recentes, o Cantusca demonstra força nas categorias de base e no futsal, evidenciando que seu protagonismo não se limita ao passado. Agora, com o objetivo de retornar ao futebol profissional, o clube aposta em planejamento estratégico, parcerias inovadoras e na paixão de sua torcida para superar obstáculos e escrever um novo capítulo em sua história.
O Canto do Rio não apenas busca reconquistar seu espaço no cenário esportivo, mas também reviver o orgulho da cidade que sempre o apoiou. A história do Cantusca ainda tem muitos capítulos a serem escritos, e, com a paixão que seus torcedores nutrem, o clube tem tudo para revelar novos ídolos, conquistar novos títulos e, mais uma vez, ocupar o lugar de destaque que sempre lhe pertenceu no coração de Niterói. O caminho para o topo está sendo traçado, e, mais cedo ou mais tarde, o Canto do Rio reencontrará o brilho que nunca deixou de existir.
