Como o movimento cultural kawaii se faz presente no Brasil e na cidade de Niterói. E como sua presença é um símbolo de alternatividade e resistência à realidade atual.
Por: Maria Antônia Proença
A cultura kawaii (可愛い) ascende no Japão na década de 70. O kanji 可愛い significa “a possibilidade do amor” e serve para designar coisas fofas, meigas e adoráveis em japonês. O kawaii surge como uma forma de protesto ao conservadorismo e tradicionalismo, funcionando como uma forma de escape, expressão, diversidade e empoderamento pessoal para os japoneses. Atualmente, segundo Akemi Matsuda (professora de japonês e embaixadora da cultura kawaii no Brasil), o kawaii faz parte do DNA japonês. Graças à globalização, essa cultura se disseminou pelo mundo, tornando-se muito popular em diversos países.
Meninas japonesas vestindo roupas no estilo kawaii. (Via Getty Images)
O kawaii é extremamente popular no Japão e facilmente acessado por meio de programas, mangás, animes, filmes e, principalmente, produtos. Segundo a “List of highest-grossing media franchises” (Lista das franquias de mídia de maior bilheteria) de março de 2021, os personagens de Pokémon e a Hello Kitty foram os dois primeiros personagens mais lucrativos para suas empresas de uma lista de 10, que também conta com nomes fortes como Ursinho Pooh e Mickey Mouse, gerando mais de 50 milhões de dólares. Ambos são fortes símbolos da cultura kawaii, tanto em mídias quanto estampando diversos produtos no Japão e no mundo, como cadernos, canetas, capas de celular, etc. Também existem outros personagens, como Rilakkuma, Sailor Moon, Totoro (do filme “Meu amigo Totoro”) e outros.
Personagens principais da animação japonesa Pokémon. (Via Getty Images)
Existem também os estilos kawaii, que trazem esse movimento cultural para a moda, como os estilos Decora Kei (caracterizado pelo exagero, acessórios e cores vibrantes), Fairy Kei (que traz a nostalgia dos anos 80 e utiliza tons pastéis em sua paleta de cores) e o mais famoso dentro desta cultura: o estilo e subcultura “Lolita”. O Lolita é inspirado no vestuário da Era Vitoriana e do Rococó, reinterpretado com um toque de delicadeza e criatividade modernas, possuindo regras e características rígidas no seu vestuário, como silhueta clássica, o uso de anáguas, acessórios elaborados, etc. O estilo Lolita também tem seus subgêneros, como o Gothic Lolita (estilo Lolita ligado ao visual gótico), Sweet Lolita (estilo Lolita ligado a acessórios e estampas de doces, comidas e bichinhos), Military Lolita (estilo lolita ligado a uniformes militares), entre outros. Cada subgênero possui suas peculiaridades, ainda que sigam as características da moda. No Japão, a palavra “Lolita” foi reinterpretada para representar feminilidade, delicadeza e nostalgia de eras passadas, desconectando-se da conotação sexualizada que o nome possui no Ocidente, não tendo ligação com o significado controverso associado ao romance “Lolita” de Vladimir Nabokov.
Um grupo de meninas vestindo o estilo Lolita num evento. (Via Getty Images)
Akemi Matsuda nasceu no Brasil, mas cresceu no Japão e retornou ao país já adulta. Ela acredita que o kawaii é uma filosofia de vida, que propaga a mensagem do amor e do afeto, podendo ser sentido e seguido por pessoas independentemente de sua nacionalidade. Matsuda também confidenciou que percebe uma grande ascensão da cultura kawaii no Brasil, principalmente após a pandemia de COVID-19. Ela relata que, embora atualmente o kawaii seja mais popular, tudo aquilo que é atrelado ao “fofo” em contexto brasileiro muitas vezes é visto como infantil e imaturo, mencionando que já sofreu situações de constrangimento devido ao seu estilo (Lolita) e seus pertences de estética kawaii. Akemi Matsuda reforça que o kawaii está muito presente no capitalismo, mas que você não precisa de produtos para ser kawaii, e sim “sentir o kawaii”, o qual ela defende ser um sentimento que é transmitido até mesmo por coisas simples. “O kawaii pode ser transmitido até mesmo por um sorriso. O sorriso é kawaii.”
Foto da embaixadora kawaii e professora de japonês Akemi Matsuda, utilizando o estilo Lolita. (Via Akemi Matsuda)
No Brasil, especificamente, a cultura kawaii se popularizou por meio da cultura pop, principalmente por meio de animes, mangás e jogos japoneses, que começaram a ganhar popularidade nos anos 1990 e 2000. O que prova isso é a história: durante os anos 1990, animes como Sailor Moon, Dragon Ball e Pokémon começaram a ser exibidos em canais como Globo, SBT e Band, introduzindo a cultura pop japonesa e o estilo kawaii no dia a dia dos brasileiros, principalmente das crianças. Também houve um crescimento de eventos culturais japoneses (como o “Festival do Japão”), eventos de cultura geek (como o “Anime Friends”) e eventos da própria cultura kawaii (como o “Mimi Party”, organizado pela nossa entrevistada Akemi Matsuda).
Em terras brasileiras, redes sociais como Instagram, TikTok e YouTube abrigam criadores de conteúdo brasileiros que promovem o estilo kawaii, compartilhando tutoriais de maquiagem, dicas de moda e inspirações. Por exemplo, a youtuber Ice Princess e a idol e youtuber Fancy Candy. Comunidades com fãs de moda alternativa e cosplay frequentemente se cruzam com o movimento kawaii. O kawaii no Brasil é muitas vezes interpretado como uma forma de expressão criativa e leve, conectada ao otimismo e à busca por um cotidiano mais alegre.Em Niterói, a presença deste movimento cultural é forte, principalmente em produtos. Ao rodar pelo centro de Niterói, é possível encontrar acessórios fofos inspirados no kawaii no mesão do IACS, produzidos pelas mãos habilidosas de uma das alunas da UFF.
Os acessórios estilo kawaii vendidos no mesão do IACS na UFF. (Por: Maria Antônia Proença Souza)
Temos também a coleção em comemoração aos 50 anos da personagem “Hello Kitty” e seus amigos na Daiso, e cadernos e materiais escolares da mesma personagem na Kalunga, ambos no Plaza Shopping. Uma das entrevistadas, Daniela Camargo, estudante de jornalismo da UFF, relatou a pouca opção de produtos kawaii da Daiso niteroiense quando comparada a outra loja da mesma rede, localizada em Campo Grande, na capital fluminense. Ainda que possivelmente de forma mais escassa, Niterói tem abraçado elementos do kawaii em diversas esferas, como na educação, com centros de ensino e promoção da cultura japonesa como o “SHIRAI”, e em eventos comunitários e encontros de cultura pop como o “Anime Nikity” e subculturas alternativas.