Por Natália Dantas
A Prefeitura de Niterói anunciou, através da Portaria n.º 19/2025, o fim da bidocência na educação infantil no início deste ano – formato que garantia duas professoras por turma -, em concomitância ao aumento do número de alunos. A motivação das mudanças seria uma solução para a falta de profissionais nas escolas, problema que vinha sendo observado não só no ano de 2024, mas também nos anteriores.
A redução de professores, extinguindo a bidocência, afeta as turmas de crianças de 4 a 5 anos nas Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEIs), enquanto as turmas de 1 a 2 anos tiveram seu número de alunos aumentado, gerando superlotação.
“Fica esse acúmulo de crianças em um espaço pequeno. Quando essa UMEI foi construída, a definição era de 18 crianças nas turmas de 4 a 5 anos, por exemplo, e esse número só tem aumentado, enquanto o espaço continua o mesmo”, relata uma professora, que pediu anonimato.
A prefeitura define que, a partir de agora, haverá uma articuladora a cada 3 turmas – profissional que deve apoiar as professoras, que estão atuando sozinhas, sem o auxílio direto de outra docente. Antes, cada turma contava com duas professoras e, em casos de presença de alunos PCDs, também um profissional de apoio.
Segundo profissionais ouvidas pela reportagem, que preferiram não se identificar, a nova configuração tem trazido grandes dificuldades.
“É muito complicado fazer o trabalho de 2 pessoas sendo uma. […] Uma articuladora para 3 turmas tem sido muito difícil, porque essa professora deveria acompanhar as crianças ao banheiro. Eu estou em uma sala sem banheiro, mas se ela está em outra turma que está passando pela mesma situação, ela não está disponível para a minha. Como eu deixo as crianças sozinhas?”
A rotina nas UMEIs exige intensamente das docentes, que de forma integral e múltipla, não cuidam apenas do desenvolvimento pedagógico, mas também da alimentação, higiene e bem-estar das crianças. Entretanto, conforme relatos, as alterações têm comprometido essas funções.
“Muitas crianças no almoço ainda têm dificuldade para comer autonomamente, então a gente precisa ir lá, dar na boca, incentivar, senão não come, e uma professora só não dá conta de alimentar todo mundo. O que eu percebo na minha turma é que crianças que antes comiam duas vezes não estão comendo mais pela falta desse auxílio. É uma professora para essas 20 crianças”, relata uma professora.
As UMEIs, além disso, têm como um dos principais valores a integração de alunos PCDs, os quais representam muitas vezes até 30% das turmas. Entretanto, a medida da prefeitura tem afetado a qualidade da educação e a condição de ensino dos professores também para esse público, que exige um olhar mais atento.
“Como sempre tivemos muitas crianças PCDs, sempre tínhamos duas professoras e uma de apoio. Na minha sala, por exemplo, tenho 3 crianças com laudo, que são cuidadas por uma professora, mas as outras 20 da sala estão sob minha responsabilidade individual, o que tem afetado muito a rotina.”
Essa defasagem tem gerado casos de, inclusive, impacto direto na saúde de professoras, não só mentalmente como fisicamente, impossibilitando-as de, muitas vezes, garantir o seu próprio bem estar.
“Eu fiz recentemente uma cirurgia e essa semana eu precisaria ir ao médico para ver resultado de biópsia, para fazer acompanhamento, e não tem quem fique com a minha turma. Eu precisei remarcar para o próximo mês”, conta uma docente.
Paralelamente, a diminuição de profissionais afeta também o bem estar das crianças, as quais, segundo uma professora consultada, têm se machucado muito mais em comparação aos anos anteriores, em decorrência da supervisão de somente uma professora para 20 crianças e, por vezes, 22.
“É muito difícil a gente não conseguir fazer um trabalho de qualidade. […] Antes a gente conseguia organizar as crianças em grupos de interesse para fazer atividades. Agora, muitas vezes, todo mundo tem que ficar fazendo a mesma coisa, não tem o que fazer.”
Uma das diretoras das UMEIs entrevistadas afirma que as famílias têm questionado bastante as novas dinâmicas e se mostram claramente insatisfeitas.
“Tem responsáveis que já reclamaram que a roupinha da criança foi suja para casa, e a professora diz que não pôde sair da sala para ajudar a ir ao banheiro”, afirma a diretora.
Em entrevista, o professor Waldeck Carneiro, especialista em políticas públicas de educação, destacou o valor da bidocência para a qualidade do trabalho pedagógico na educação infantil e classificou a decisão da prefeitura como um retrocesso.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Educação de Niterói para comentar a medida, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.