Alô, Gragoatá!

Pichações no IACS expõem insatisfação de alunos com a UFF e geram debates sobre os limites dos protestos 

No dia 5 de novembro, as paredes e corredores do Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS) da UFF foram cobertos por pichações realizadas pelos próprios alunos.

Por: Isis Siqueira

No último dia 5 de novembro, um grupo de estudantes, majoritariamente dos cursos de produção cultural, artes, cinema e estudos de mídia, juntamente com demais discentes de outros institutos da universidade convidados a participar, realizaram pichações em diferentes espaços do campus. O ato manifestou a insatisfação dos alunos com a falta de expressão e personalidade do prédio, denunciando, também, a ausência de diálogo por parte da gestão.

Imagem de pichações no IACS, registrada por Isis Siqueira

Flávia Clemente, diretora do IACS, por meio de uma nota publicada no Instagram (@iacs_uff) e enviada por email para os estudantes do Instituto, repudiou as atitudes arbitrárias do grupo que participou das pichações. “[…] A Direção do IACS repudia veementemente a depredação do nosso novo prédio, conseguido após tanta luta de tantas gerações, e repudia ainda mais as atitudes autoritárias e desrespeitosas de alunos que não têm respeito pela Universidade Pública, e, nem de longe, podem ser nomeados artistas. Informamos ainda que, assim que houver recurso disponível, utilizaremos para limpar nosso prédio e mantê-lo limpo, de forma a podermos continuar a nos orgulhar das nossas conquistas.”

A diretora afirmou, ainda, que a pauta foi amplamente debatida em uma reunião que ocorreu no mês anterior às pichações, na qual participaram representantes eleitos de todos os cinco departamentos e dez cursos de graduação pertencentes ao IACS, além de servidores técnicos-administrativos e discentes, a instância máxima de decisão do Instituto, representando a vontade dos, aproximadamente, 5 mil membros. “[…] Na reunião de outubro, a pauta foi amplamente debatida e os alunos tiveram direito a expor sua posição. Em votação, de forma democrática, foi deliberada pela não intervenção nas paredes e pisos neste momento, mas com a possibilidade de aprovação futura, caso haja uma proposta didático-pedagógica coerente e não invasiva para os demais frequentadores da nossa unidade.”. 

A nota de repúdio da diretoria não foi bem recebida pelos alunos que são a favor do picho nas paredes e corredores do Instituto de Artes de Comunicação Social, que a acusaram de ser higienista e conservadora. Um exemplo disso foi a resposta do DCE (Diretório Central dos Estudantes), que, também por meio de seu perfil no Instagram, postou uma nota de denúncia à narrativa da diretora Flávia Clemente: 

“[…] É explícito o caráter HIGIENISTA e RACISTA contido nesta nota. Não pode ser aceitável a Direção de um Instituto criminalizar seus próprios estudantes através de uma página oficial da Universidade. […]  Diante dos fatos, exigimos a exclusão da nota de todos os canais oficiais da UFF, assim como a publicação de uma nota de retratação quanto ao uso inapropriado das redes do IACS pela Direção do Instituto, que incentivou um discurso racista e violento de criminalização a estudantes da Universidade.”

Yana Flávia, aluna de Jornalismo na UFF, também se posicionou a favor das pichações no Instituto por meio das redes sociais. “O prédio continua lá, não foi destruído. Nenhuma parede caiu (nem vai cair) porque foi pichada pela galera. Tanto problema na UFF e vocês encucando com uma coisa que não atrapalha as aulas, a qualidade do ensino e muito menos a permanência estudantil.”. Quando questionada sobre a iniciativa de expressar sua opinião através das mídias sociais, a aluna respondeu:  “Eu quis expressar a minha opinião, que eu acho que ela está neste lugar em que eu não sou a pessoa que pintou, mas eu consigo reconhecer que isso não é esse crime, essa coisa horrorosa, por isso que eu resolvi me posicionar […] A gente estava em um prédio que não tinha nenhuma identidade, e aí não parecia que aqui era um lugar ocupado por estudantes de artes, e isso entra na comunicação também, porque querendo ou não, isso está comunicando alguma coisa”.

Além disso, Yana completou: “[…] Na minha cabeça, quando você pensa que vai entrar em uma faculdade pública, significa que você está disposto a estar em um lugar que vai estar pichado, que vai estar riscado, que vai ter arte, faz parte da juventude querer se expressar, querer discordar. Ainda mais que a universidade é um lugar de questionamento e de propor novas formas de ser e estar no mundo. Eu achei muito triste ver que tantas pessoas, do meu curso inclusive, tinham esse pensamento muito higienista”.

Imagem de pichações no IACS, registrada por Bernardo Lima.

Já Rafael de Matos, aluno de Estudos de Mídia na UFF, que participou desse movimento no início do mês de novembro, relatou que a ideia das pichações começou do questionamento dos estudantes de Produção Cultural, Artes e Estudos de Mídia sobre o IACS ser todo cinza, diferente de outros blocos da Universidade Federal Fluminense. Além disso, Rafael destacou a falta de reciprocidade da diretoria quando os alunos tentaram, a princípio, dialogar diretamente através dos colegiados sobre essa pauta com a coordenação. “[…] A princípio tentamos fazer um diálogo diretamente com a diretoria através dos colegiados, mas a pauta chegou a ser levantada e, sem ter nenhuma votação, foi descartada e adiada para os próximos colegiados, não teve muita abertura para os alunos que participaram do colegiado terem essa comunicação sobre essa questão. […] E isso gerou a revolta de um pessoal e a gente começou a conversar sobre isso, a questão do sentimento da falta de representatividade da diretoria e da posição da coordenação nesse contexto”. 

O aluno complementou falando sobre o objetivo das  pinturas no prédio: “[…] Acredito que as pinturas tenham sido uma decisão mais para abrir o diálogo sobre essa possibilidade, porque não foi um ato de manifestação apenas para ser marginal, fomos pensando em tudo que nos afligia no IACS”.

Após 2 dias que ocorreram as pichações, no dia 7 de novembro alunos insatisfeitos com as pichações se mobilizaram para pintar por cima de alguns desenhos e pinturas, na tentativa de expressarem, também, o seu descontentamento.

Imagem de Jepherson Rodrigues pintando por cima das pichações, registrada por Ana Santarém, aluna do IACS.

Jepherson Rodrigues, aluno de Jornalismo e idealizador dessa mobilização contrária à presença das pichações no bloco, afirmou que, quando viu o prédio ser pichado, ficou muito surpreso e se sentiu muito incomodado. “[…] Eu entendo que todos que estavam pichando achavam que estavam pleiteando um direito à liberdade de expressão, e eu acho que todo mundo tem o seu direito à liberdade de expressão, mas também acho que a forma como aquilo foi imposto, foi algo que eu senti ameaçador, assim”. 

Esse descontentamento foi expresso em forma de texto publicado pelo aluno através do seu perfil no Instagram, juntamente com fotos do Instituto pichado. “Eu sou aluno da UFF e NÃO CONCORDO com o vandalismo promovido principalmente por alunos de artes e de produção cultural no dia 05 de novembro! […] Como aluno, repudio fortemente essas atitudes e apoio a nota de repúdio emitida pela diretora do lACS, Flávia Clemente. […] Esses prédios não pertencem a nenhum de nós. São bens públicos. É o nosso dever honrar por eles. Hoje eu me senti invadido. Agredido. Como se alguém tivesse entrado na minha casa e destruído algo que eu lutei tanto pra conseguir.”.

Logo no primeiro dia, a repercussão da postagem foi muito grande, recebendo o apoio de outros discentes da UFF. “Na mesma hora que eu publiquei no meu perfil, já começou a ter muito compartilhamento e muita curtida, então a gente começou a entender que muitas pessoas concordavam com esse respeito. […] Não é que não é de ninguém [esse espaço], é público, é de todo mundo e a gente tem que zelar, eu realmente acredito nesse entendimento de zelar pela faculdade”.

Jepherson relatou, ainda, que, indo de encontro às acusações feitas pelo DCE e alunos a favor, não são todas as pessoas que se posicionaram contra as pichações que são conservadoras e higienistas. “[…] Acho que sou muito mais parecido com eles, acho que isso também que deu voz à causa, assim, eu e a Sara [colega de turma e participante do movimento de cobrir as pichações] a gente parte da mesma minoria que eles se colocam, entendeu? A gente não estava aqui falando que não quer nada no muro, que a gente quer tudo cinza, eu adoraria ver isso aqui com um mural imenso da Marielle, um mural imenso do Abdias do Nascimento”.

Mesmo após o movimento de pintura desses estudantes e as especulações sobre a diretoria do IACS cobrir as pichações durante o recesso de final de ano, que ocorreu do dia 23 de dezembro até 6 de janeiro, boa parte das pichações continuam presentes no bloco. 

Maria Luísa Fernandes, bacharel em Publicidade e Propaganda pela UFF, também aderiu ao movimento contrário às pichações. “[…] O que mais me impactou foi o fato de ter acontecido um colegiado sobre a votação da interferência das gravuras, dos grafites e do picho no IACS, ou seja, a interferência artística. Eu não vou chamar de depredação de patrimônio até porque acredito que o grafite é uma forma de arte, mas a partir do momento que o colegiado que contêm alunos e professores, levanta uma pauta sobre um tema importante como esse e é votado não, é triste para as pessoas que são da cultura do picho, mas foi uma decisão democrática”. 

Apesar de não estar presente no dia em que os alunos, sob iniciativa do Jepherson Rodrigues, repintaram uma parte do prédio, Maria Luísa também demonstrou apoio à iniciativa dos estudantes e afirmou que ficou abalada com a forma como os protestos em forma de pichação ocorreram.

Desde o ocorrido, as pichações permanecem no IACS e a diretora Flávia Clemente afirmou que assim que houver verba suficiente, repintarão novamente o Instituto para, assim, cobrir as pichações feitas pelos estudantes no dia 5 de novembro. 

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