Por Sara Roza
Toda manhã, Marcelo faz as contas antes de sair de casa: se conseguir chegar na faculdade às 14:00 escapa do almoço no bandejão, se segurar a fome consegue passar o resto do dia com um biscoito que leva de casa. Desde que a tarifa do restaurante universitário subiu para R$14,50, ele não frequenta mais o RU e pula refeições.
Seis meses após o aumento da tarifa no Restaurante Universitário (RU) da Universidade Federal Fluminense (UFF), os efeitos da decisão continuam a reverberar no cotidiano dos trabalhadores terceirizados. Desde novembro de 2024, a refeição que antes custava R$2,50 passou a ser cobrada a R$14,50 para servidores e terceirizados. Para estudantes, o valor permaneceu em R$0,70.

A medida foi justificada pela reitoria com base no Acórdão nº 1.915/2020 do Tribunal de Contas da União (TCU), que, segundo a universidade, proíbe o acúmulo de auxílio-alimentação com refeições subsidiadas. Entretanto, entidades representativas contestam a leitura feita pela administração da UFF e denunciam a ausência de diálogo institucional.
Desde o reajuste, diversos trabalhadores terceirizados deixaram de frequentar o bandejão. Muitos passaram a trazer marmitas de casa, comprar lanches mais baratos ou simplesmente deixar de almoçar.
“Eu evito ter a necessidade de chegar aqui mais cedo, antes do almoço para não precisar pular a refeição, mas tem dia que não dá e eu só vou comer propriamente quando chegar em casa a noite para jantar” afirma Marcelo, radialista aposentado e técnico do Estúdio de Áudio do Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS)
A decisão impacta diretamente a dignidade alimentar desses profissionais, que já enfrentam baixos salários e alta rotatividade. O bandejão, que por anos funcionou como um espaço de acesso universal à alimentação dentro do campus, hoje se tornou símbolo da exclusão.
O Sindicato dos Trabalhadores da UFF (SINTUFF) afirma que a reitoria nunca chegou a abrir um canal efetivo de negociação. De acordo com o sindicato, propostas alternativas foram ignoradas e sequer houve convite para participação em conselhos ou audiências sobre o tema.
“Não houve um diálogo, a gente conversou com a reitoria, pedindo uma audiência para conversar sobre a necessidade de um aumento mas um aumento menor do que 480%” destaca Alexandro Florentino, coordenador jurídico do SINTUFF
Além disso, o sindicato sustenta que o acórdão do TCU tem caráter orientativo, e não impõe a obrigatoriedade do aumento, abrindo margem para outras soluções administrativas.
“E causa estranheza, não vou afirmar isso porque a reitoria não disse que foi isso, mas causa estranheza que esse reajuste venha logo depois desse processo de greve dos trabalhadores que fecha o bandejão, parece até uma retaliação. E porque eu digo isso? Porque quando o TCU fecha o acordo, ele não diz que é impositivo, ele diz que é uma recomendação e as universidades têm uma autonomia, a reitoria poderia fazer ou não fazer o reajuste de acordo com a realidade da UFF” – completa, Alexandro
Procurada por veículos e por representantes da comunidade, a reitoria da UFF não respondeu às solicitações de reunião com o SINTUFF e não apresentou novas iniciativas para garantir alimentação aos trabalhadores terceirizados, mesmo diante das denúncias de exclusão.
A reação estudantil foi visível nos primeiros meses após o reajuste, com manifestações, abaixo-assinados e cartazes em defesa dos trabalhadores. Entretanto, com o passar do tempo, a mobilização perdeu força, enquanto a rotina no campus voltou à normalidade, com poucas movimentações de grupos específicos.
Especialistas em políticas públicas e direito educacional apontam que a medida fere o princípio da equidade nas universidades públicas. Embora os estudantes sigam sendo prioridade nas políticas alimentares, a exclusão total de servidores e terceirizados escancara a precarização de quem trabalha sem estabilidade ou representação nas instâncias deliberativas da universidade.
“Os terceirizados são os mais penalizados” –Afirma, Alexandro
Até o momento, não há sinalização de recuo por parte da reitoria e nem diálogo e negociações em andamento. A questão deve voltar à tona nas próximas eleições internas da universidade, além de continuar na pauta de sindicatos e grupos de extensão ligados a direitos humanos.
O caso da UFF expõe uma ferida silenciosa nas universidades federais brasileiras: o abismo entre os que ensinam, estudam e mantêm a estrutura funcionando. Alimentar-se não é luxo. É o mínimo. E, para muitos que mantêm a universidade de pé, o mínimo está cada vez mais distante.
A equipe do Alô, Gragoatá! tentou contato com a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAES), responsável pelo oferecimento do serviço do Restaurante Universitário. Enviando 9 perguntas, questionando a possibilidade de mudança nesse cenário, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem.