Alô, Gragoatá!

Pista de atletismo da UFF e o embate por sua abertura

Por: Matheus Netto

A pista e sua importância

No dia 13 de maio de 2024 foi inaugurada no campus Gragoatá da Universidade Federal Fluminense (UFF) a pista de atletismo do Complexo Aída dos Santos. Em uma parceria entre a UFF e a Prefeitura de Niterói, o projeto de revitalização custou R$14,6 milhões aos cofres públicos e permitiu que o espaço como um todo pudesse sediar competições a níveis nacionais e até mesmo internacionais. Entretanto, com o passar do tempo, a promessa descumprida, até hoje, gerou um conflito entre partes e levantou questões sobre o caso.

A pista foi inaugurada com a premissa de promover a educação e a igualdade social, além, claro, do próprio esporte, visando abranger não apenas estudantes de Educação Física e profissionais do atletismo como também alunos de outros cursos, corredores amadores, projetos sociais da cidade e pessoas da comunidade local.

Como parte da requalificação do Centro da cidade, a nova pista substituiu uma já degradada, sem condições de uso apropriado e que prejudicava quem queria utilizar o espaço. Como relata a corredora de trilha e estudante de Letras da UFF, Ana Clara Demier: “A pista que tinha ali no mesmo lugar da Aída era impossível [de correr]. Era mato puro, não tinha o que fazer ali. […] Todo mundo ficava olhando pro chão pra ver onde pisava”.

Com a revitalização, a pista recebeu o certificado Class 2 de pista oficial pelo World Athletics (WA) – numa escala de 3 níveis – sendo uma das 17 nesta categoria que ficam no Brasil e uma das únicas duas localizadas no estado do Rio de Janeiro, e se apresenta como uma importante área para o desenvolvimento de estudantes e atletas. Como conta João Pedro dos Santos, graduando em Educação Física pela UFF: “A pista, para nós alunos de Educação Física, é a nossa sala de aula. Mas mais do que nossa sala de aula, ela é também nossa sala de estudos, nossa sala de desenvolvimento. […] É fundamental a gente ter um espaço como esse para conseguir desenvolver, incentivar e entender realmente o atletismo como um todo”.

Contudo, a expectativa gerada pelo anúncio e pela inauguração de uma pista moderna e bem equipada até hoje não foi atingida por completo: o uso da pista vem se limitando aos estudantes de Educação Física e a competidores, gerando, assim, uma série de questionamentos e uma polêmica em torno de uma obra pública com um custo tão elevado.

Complexo de Atletismo Aída dos Santos, da UFF, cercado por grades; Foto: Matheus Netto

Polêmica e questionamentos

“Por que não foi aberta à comunidade? A abertura vai acontecer? Quando? Como será feita?”, essas são algumas das perguntas feitas em meio a uma desavença entre administração e pessoas que ainda não puderam utilizar a pista na UFF.

Ana Clara é um exemplo dessas pessoas. A esportista diz que ficou muito animada quando viu a planta do projeto e ao saber que seria aberta aos estudantes e ao público niteroiense. Além disso, acompanhou de perto as obras, que ocorreram próximas ao seu bloco de estudos na faculdade. Após a inauguração, ela procurou a junta de Educação Física para que pudesse utilizar o espaço recém-inaugurado, mas foi surpreendida ao ser noticiada que as obras ainda não haviam sido finalizadas: “Fiquei incrédula”, disse Ana.

Ela afirma que realmente ocorreram obras pouco tempo após a informação cedida, mas que atualmente a pista está pronta e continua na mesma situação: trancada e cercada por grades enormes, segundo ela não previstas anteriormente na planta. “A gente pode chamar de ‘pista de corrida’ se ela não é tratada como tal? Esporadicamente ela é uma pista de corrida para aqueles que têm o privilégio de usá-la” – questiona Ana.

A Prefeitura de Niterói, através da Secretaria de Esporte e Lazer, disse “estar alinhando com a UFF e com a Confederação Brasileira de Atletismo para a utilização da comunidade”, a partir deste ano de 2025, sem fornecer uma previsão exata, e afirmou que negociava com a Universidade e a Confederação para a criação de critérios de uso para todos que estiverem cadastrados na Secretaria e na Confederação. – informação que será contestada mais à frente. Procurada, a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) não emitiu resposta sobre o caso.

Por parte da UFF, Luiz Tadeu de Almeida e Marcelo Antunes, respectivamente diretor e vice-diretor do Instituto de Educação Física da UFF, explicaram com detalhes a situação. Eles começam ressaltando a importância de cuidar de um bem público que custou mais de R$14 milhões e que é objeto de qualificação para o aprendizado e formação de alunos. Atualmente, a UFF é uma das poucas universidades no Brasil a possuir um complexo de atletismo dessa magnitude, sendo importante uma organização para evitar que se repita o que acontecia no final da vida útil da antiga pista. “A gente tinha uma pista antiga […] que estava totalmente ocupada e sendo explorada por pessoas que não eram da universidade, inclusive por iniciativas privadas que ganhavam dinheiro particular, privado, usando o equipamento da Universidade Federal Fluminense” – explicou Marcelo, que teve a resposta completada por Luiz ao falar que esse seria o motivo principal para que a pista seja cercada por grades atualmente.

Ambos informam que a obra possui uma garantia de cinco anos fornecida pelos fabricantes e que qualquer questão técnica ou física que haja durante esse período é coberta por eles. Para não perder essa garantia, é fundamental que a pista seja utilizada da forma correta e adequada, sem que ocorra um desgaste evitável do local, visando sempre uma manutenção mínima e uma maior longevidade. Para isso, eles reforçam a importância de um uso de maneira responsável e sustentável: “Não é uma questão de proibição, é uma questão de organização”, disse Luiz Tadeu.

A partir disso – através de uma comissão formada por diretor e vice, Reitoria, Pró-reitoria de Extensão (Proex), Superintendência de Operações e Manutenção (SOMA) e jurídico da universidade – foram criados critérios para a utilização da pista. Dentre eles, encontram-se: o uso de calçado e vestimenta adequados; o uso intercalado das raias semanalmente, proporcionando um desgaste gradual; e a inscrição prévia com o exame, no Instituto de Educação Física. “O regulamento levou bastante tempo para ser construído […]. A gente não sabia a dimensão da pista, foi ganhando proporções ao longo do projeto” – justificou Marcelo sobre o porquê do regulamento não ser entregue junto à pista em maio do ano passado.

Vale ressaltar que não será necessário o cadastro tanto na Prefeitura quanto na Confederação, como havia sido informado pela Secretaria. A ideia é seguir o mesmo modelo utilizado hoje na piscina da UFF.

Com a regulamentação dos critérios finalizada, a previsão para que a abertura ocorra é em março, com o início do novo período letivo na universidade. “Têm dois projetos de extensão que estão prontinhos para serem utilizados já no início do próximo semestre: um que visa a utilização mais efetiva da pista pelos nossos alunos e um outro que é de utilização das pessoas que têm vontade de utilizar aquilo [a pista]” – explica Luiz.

Concretizando-se a abertura em março, o fato é uma conquista e sinônimo de reacendimento de uma chama de esperança para aqueles que desde o início sonharam com sua efetivação, além de  ser fator fundamental para a expansão do atletismo culturalmente dentro da sociedade, como relata Ana Clara. “A importância disso para mim é uma importância que vai muito além da corrida. É a importância de utilizar de um bem que é nosso por direito […] vai muito além de simplesmente correr. É de reivindicar um espaço, sabe? Eu acho que é essa necessidade”. 

“O atletismo é um esporte base, mas ele não é inserido na cultura brasileira […]. Ele sempre foi um instrumento e poderia ser mais do que isso. O incentivo a ter espaços como esse é um início para a melhora, para a inserção desse esporte, dessa prática corporal dentro da cultura brasileira” – declarou João Pedro, estudante de Educação Física da UFF.

Com isso, estudantes, corredores e a comunidade em geral parecem finalmente enxergar a linha de chegada de uma maratona que se estendeu ao longo dos últimos meses.

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