Edifícios do final do século XIX e início do século XX, tombados na década de 1970 para evitar que fossem demolidos, agora sofrem com falta de restauração e manutenção
Por Júlia Pereira Azevedo

Parte traseira do Casarão – Foto: Júlia Azevedo

Fachada do Chalé – Foto: Júlia Azevedo
De moradia de um comerciante português ao “Chalet” atual do curso de Arquitetura e Urbanismo. De um alojamento e laboratório para funcionários de uma empresa inglesa de telegrafia ao “Casarão” que hoje é a primeira vista ao se entrar no Campus da Praia Vermelha da UFF.
Construído em dois períodos distintos, os prédios se complementam atualmente, formando a sede da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. O Chalé construído pelo português Francisco Manuel da Silva Rocha em 1888 foi vendido em 1917 para a Companhia Western Telegraph. Empresa que, em 1920, decidiu construir um alojamento para os trabalhadores que ali operavam. Assim surgiu o Casarão.
Mas a Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF não foi a única instituição de ensino a se estabelecer nesses locais, já que em 1934, o Colégio Icarahy se instalou em parte das edificações. Em 1943, as construções foram vendidas para a Companhia de Melhoramentos de Niterói. Também foram propriedades da Caixa Econômica Federal entre 1947 e 1956, e nesse último ano, passaram a pertencer à Companhia União Territorial Fluminense.
Ainda em 1956, passam a ser ocupados parcialmente pela Escola Fluminense de Engenharia e integralmente a partir de 1958. Esta, por sua vez, é incorporada pela UFERJ (atual UFF) em 1960 e federalizada em 1961. Já em 1970, com a construção do prédio de Engenharia, as edificações históricas foram ocupadas pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo, que em 1986 foi designado uma Escola.
Além de ser um local de memória para toda sua história, os edifícios se constituem como importantes arquitetonicamente, como ressalta a professora Ana: “[…] Esse prédio [o Casarão] é magistralmente bem construído. As paredes são todas ortogonais, noventa graus. Ele tem uma estrutura combinada de tijolo maciço com estrutura metálica, então ele é um prédio que mostra a importância da revolução industrial, da inserção do ferro nas estruturas. […] Esse pé direito muito alto, que é incomum nas arquiteturas contemporâneas, mostra a importância de uma altura grande para você ter ambientes frescos mesmo sem ar condicionado.”
Sobre o Chalé, a professora destaca a história da arquitetura que o perpassa: “O Chalé era uma residência, uma chácara, toda essa fachada dele com esses elementos decorativos é uma reforma que ele sofreu. Esse prédio é um pouco mais antigo. […] A moldura das janelas é toda de pedra, […] então era um prédio de uma família rica. […] Depois, ele sofre essa intervenção que a gente chama de modernizadora eclética, que é aquela fachada com aquela varanda de ferro, então aquela parte já é uma parte da revolução industrial. “
Ela ainda acrescenta: “A gente costuma dizer que aprender essa arquitetura antiga é conseguir fazer uma arquitetura contemporânea de qualidade, porque você pode usar muitos desses elementos nas estruturas contemporâneas reeditando, recriando, em uma linguagem moderna, a qualidade dessas construções.”
“Aprender essa arquitetura antiga é conseguir fazer uma arquitetura contemporânea de qualidade”
Ana Carmen Amorim
Apesar da relevância cultural desses locais, os prédios foram quase demolidos para a construção de novos edifícios, tendo até um anexo do Chalé sido derrubado. Foi com a luta para a manutenção e conservação do Chalé, do Casarão e do jardim que os circunda que, em 1978, a comunidade acadêmica da Escola conseguiu o tombamento desses edifícios pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, o INEPAC-RJ. A Chefe do Departamento de Arquitetura, Ricarda Tavares, complementa: “O tombamento foi para proteger da demolição. A proposta para o campus aqui era demolir esses prédios históricos que, no nosso entendimento, ia causar um prejuízo à história, não somente da própria escola, como do bairro e da cidade de Niterói. “
Porém, a despeito de sua relevância reconhecida pelo IPHAN e de seu tombamento por órgãos estaduais e municipais, o estado atual desses locais não corresponde à sua importância. No Chalé, partes do teto estão sem forro, salas estão desativadas por infiltração, já houve infestação de pragas e a fiação é muito antiga, não comportando a instalação de ar condicionado. Além disso, o assoalho de madeira antigo tinha sido danificado e teve que ser trocado por um cimentado, o que ocasionou na desativação do porão.

Parte do teto sem forro em um corredor do Chalé – Foto: Júlia Azevedo
Os dois edifícios sofrem com infiltrações frequentes, principalmente pela falta de limpeza das calhas, que enchem pela queda de folhas das árvores que não são podadas e acabam crescendo para cima do telhado. A administradora Suzanny Barreto comentou sobre os problemas que vêm com as chuvas: “Tem vários casos de infiltração que acaba caindo água em equipamentos, estragando […] Cai água em móvel e aí fica ruim o móvel, infiltração no banheiro… Esse tipo de coisa. Mas um problema muito grave é […] que toda vez que chove, fica tudo alagado dentro do Casarão. […] Essa última chuva que teve forte, caiu a claraboia que fica ali no meio da escada. Graças a Deus não caiu em cima de ninguém.”
Não é só o Chalé que teve complicações com a fiação. O Casarão sofreu um pequeno incêndio há alguns anos em uma parte da instalação elétrica, como explica o estudante de Arquitetura e Urbanismo, Yuri Gavinho: “Até pouco tempo atrás, […] pegou fogo lá. Se você reparar, tem uma área toda verde com musgo ali que foi a instalação elétrica que tinha e de lá pra cá eles mudaram toda a instalação elétrica que tinha [no Casarão]. […] Depois que eles fizeram essa reforma a gente tem o quê: ar condicionado, têm microondas, pode ter geladeira, pode ter uma monte de coisa. Aqui [no Chalé] a gente não pode. Houve uma época que tinha um microondas aqui, só que pediram pra tirar porque era risco.”

Musgo na parede externa do Casarão em que ocorreu o pequeno incêndio – Foto: Júlia Azevedo
Atualmente, há um projeto para a restauração completa do Chalé, com recuperação do piso de madeira, dos forros, de cobertura, de partes infiltradas, a instalação de uma nova fiação e a implementação de uma maior acessibilidade. Porém, o projeto não se concretiza por falta de verba. Segundo Suzanny, o orçamento da restauração do Chalé estava na casa dos milhões de reais: “A gente tem a nossa livre ordenação, tô falando de cabeça, que foi uns 36 mil, que não dá nem de perto para fazer nada. A última vez que eu vi o orçamento de restauro do Chalé […] estava em 3 milhões. Então assim é impossível, né.”
O Assistente Administrativo da Escola, Mauro Fernando, que realiza pequenas manutenções no local também sinaliza: “Tem que ter verba, né? Para gente fazer essas coisas assim… a verba é curta. […] O dinheiro que vem da reitoria para gente às vezes não é só para área de manutenção; é para comprar material para professor, o que eles precisam, datashow, laptop, essas coisas. Fora o material escolar que tem que ser comprado para a escola, entendeu?”
Sobre a estagnação do projeto, a professora Ana Carmen disserta:
“Isso tá parado porque a UFF não tem recurso para investir. […] Ela não tem porque ela tá aplicando em outros lugares esses recursos que ela tem. Ela tá concluindo obras importantíssimas. […] Mas eu acho que já tá mais do que na hora da gente cuidar desses prédios antigos. […]No ano passado, a gente entregou para o reitor um book com todo o processo de restauração do Chalé e o orçamento atualizado para ele poder levar isso nas reuniões que ele participa ou encontrar eventualmente um investidor que tem interesse em fazer essa restauração. Ele pediu e a gente produziu esse material para ele tentar conseguir recursos.”
A professora não descarta a fragmentação da obra e a candidatura em editais para a viabilização gradual da restauração: “Se a gente não tiver o recurso para fazer a obra toda, a gente faz, por exemplo, o telhado e fazendo o telhado, a gente evita as infiltrações que vêm dali e o edifício ganha um oxigênio para continuar na batalha de conseguir o resto dos recursos.” Ana também destaca que não há um projeto ainda para o Casarão, mas que objetiva fazer um projeto junto com outros professores e alunos caso a UFF não possa contratar um projeto para o edifício.
Enquanto a revitalização dos espaços não chega, os alunos seguem no clamor, como representa a estudante da Escola, Natália Rodrigues: “Eu acho que ele deveria ser mais cuidado, sabe? Teve as chuvas recentemente e assim, deu dó no coração porque foi levado algumas coisas e algumas vezes tem alguns probleminhas, sabe? […] Em vez de fazerem coisas provisórias, fazer logo algo eficiente que vai durar muito tempo.” E acrescenta: “É nossa casa. O Casarão é a nossa casa. É o nosso espaço.“