Em entrevista ao “Alô, Gragoatá”, o artista contou sobre carreira, processo de produção, dificuldades e expectativas de um segundo álbum
Por: Gabriel Vergueiro
Ana Frango Elétrico, Tuyo, Dadá Joãozinho, Vitor Milagres, A Banca 021… Praticamente impossível ouvir os principais lançamentos dos últimos anos e não se deparar com os versos e a marca de Joca. Mesmo com obra curta, o rapper e instrumentista enraizado em Niterói já se apresentou em alguns dos principais festivais do Brasil e, em 2024, está para lançar o sucessor de A Salvação é pelo Risco, trabalho que o mostrou para o mundo.
João Caetano nasceu em Minas Gerais, no município de Sete Lagoas, onde viveu até os cinco anos. Dessa época, as influências musicais deram-se na base, tanto com a convivência com seus padrinhos musicistas, quanto com a cultura das congadas e da folia de reis, muito presentes em sua cidade natal. Na Região dos Lagos, foi o momento de Joca ter o primeiro contato com a possibilidade de experimentação, de criação e de se entender como um sujeito musical, quando começou a tocar bateria e produzir.
“A minha mãe, quando eu tinha de sete para oito anos me colocou em uma escola de música que tinha na prefeitura de Rio das Ostras e a partir disso eu comecei a ter contato com os projetos que os meus professores participavam, participei de alguns projetos com eles, comecei a formar minhas primeira bandas […], comecei a produzir instrumentais de rap em casa e fazer banda de rap com os amigos da escola. Então, foi um momento que eu considero mesmo das primeiras experimentações, da primeira produção de uma linguagem.”, conta o rapper em conversa conosco.
Chegou em Niterói no final da adolescência e início da vida adulta, o que proporcionou ao músico mais maturidade em suas experimentações e uma participação mais ativa no universo de shows e eventos, além de uma estrutura maior para a realização de sua arte. Joca também comenta da cidade como um meio de se encontrar coletivamente, o tornando parte não apenas de uma história, mas também de uma comunidade. Nesse sentido, em Niterói ele firmou parceria com artistas com os quais trabalha até hoje, como o pessoal da Ujimagang e da Reurbana — esse último nome, fundamental na produção do primeiro disco de João Caetano, A Salvação é Pelo Risco, que o alçou como um dos nomes mais promissores da nova cena do rap brasileiro.
Sobre o disco, durante o processo de construção, Joca não esperava a projeção que tomou, embora existisse, sim, expectativas de retorno.
“A expectativa de retorno desse trabalho era que as pessoas do meio musical, pessoas que eu tinha contato no primeiro ciclo mesmo, que era basicamente Niterói e região central do Rio de Janeiro […], entendessem que eu produzia, que eu era um diretor musical, que eu também atuava como compositor”.
Ele também fala da urgência por uma estabilidade financeira, psicológica e artística, que, com os frutos de sua estreia e os laços que tem estreitado, o rapper considera estar começando a alcançar, em um provável auge.
“Acho que é o primeiro momento da minha carreira que eu tenho condições plenas de me comprometer a criar e conseguir criar. […] Eu tô num momento muito próspero, principalmente nesse lugar das trocas, de estar conseguindo construir um movimento coletivamente e estar conseguindo entregar isso em forma de canção”, avalia.
Aproveitando esse contexto de muita prosperidade, Joca se prepara para lançar seu segundo registro de estúdio, intitulado CORTAVENTO (sim, tudo junto e em caixa alta). O processo de transição de um trabalho para o outro começou em 2022 — quando foi-se formalizando a construção do disco e os rascunhos passaram a sair do papel —, com maior foco na produção a partir de 2023. Entretanto, existem registros pessoais do artista que apontam para o início das pesquisas do álbum ao final do ano de 2020. É um processo de criação interessante, longo e que demanda paciência para enfrentar os desafios que se estabelecem no caminho. Dentre eles, o preciosismo de Joca foi penoso:
“Eu nunca conseguia sentir que tinha um material adequado para ser apresentado. […] Eu comecei a sentir que esse preciosismo exacerbado que eu tava me submetendo tava atrapalhando o meu desenvolvimento”.
Fugindo da estagnação promovida por essa insegurança, Joca decidiu apresentar o disco ao público em uma mini-turnê carioca pelo SESC antes do lançamento nas plataformas de streaming, prestando homenagem, também, ao A Salvação é pelo Risco, que nasceu da mesma forma: primeiro nos palcos, depois em disco. Sobre essa experiência, ele definiu como muito positiva não só para o disco e para os envolvidos, mas também para a plateia que teve a oportunidade de acompanhar a história de transição entre os álbuns, além de funcionar até mesmo como um teste para os shows oficiais do CORTAVENTO.
Ainda sobre desafios, muito se fala na cultura pop sobre a maldição do segundo disco — que de maldição não tem nada. É um pouco lógico, sobretudo quando o primeiro disco se sai muito bem e cria-se uma expectativa alta para o que será apresentado em um segundo trabalho. Perguntado sobre essa pressão, Joca confirma a necessidade de se provar para o público, mas antes de tudo, provar para si próprio.
“Primeiro, precisei provar para mim mesmo que não foi sorte para conseguir terminar o segundo disco. […] Eu tive dificuldade de entender o que conectava as pessoas que gostam do ASPR, então, é um processo também de me convencer de que as coisas que estavam acontecendo pra mim não eram sorte, […] de que realmente esse trabalho se mostrou relevante, e isso me ajudou muito a fazer esse trabalho.”
O rapper ainda comenta sobre a exigência constante em se mostrar que os artistas que estão à margem do sistema são submetidos e afirma sobre o disco novo:
“Com certeza vai vir pra provar algumas coisas pras pessoas que ainda operam nesses termos de necessitar de provas e testes. A gente precisa dialogar agora com esses termos e jogar o jogo dessa maneira. A gente vai jogar; e vai ganhar ou hackear”.
O CORTAVENTO ainda não tem data de lançamento, apenas previsão para esse segundo semestre de 2024, mas Joca já deu pistas em suas redes sociais em relação a ritmos e gêneros que serão trabalhados, como o afrohouse, o boombap e o amapiano, gênero musical sul-africano. Além disso, o artista nos adianta que veremos lados ainda não apresentados por ele, incluindo partes de sua pesquisa percussiva e mais de sua identidade como produtor:
“No CORTAVENTO, através de uma narrativa mais ampla sobre deslocamento nos espaços, autoconhecimento e pertencimento, eu to mostrando que os tambores do mundo de várias formas se conectam e fazem parte de uma mesma genealogia. […] Então, eu tô a todo momento fazendo esse balanço entre os tambores e o universo percussivo brasileiro… A música eletrônica também faz parte desse universo […] que eu enxergo como movimentos de pesquisa, registro e manutenção da cultura.”
Para Joca, o CORTAVENTO é “pensar as possibilidades percussivas do que a música nos oferece como tecnologia”.