Alô, Gragoatá!

Renovação, acessibilidade e solidariedade: entenda a ascensão dos brechós em Niterói

Por: Juliana Farias

Os brechós são um comércio em ascensão, principalmente no contexto pós pandêmico,  onde pautas sociais e ambientais tomaram ênfase. Em Niterói, com preços acessíveis e princípios como sustentabilidade, caridade e inclusão, há uma variedade imensa de estabelecimentos com diversas finalidades, indo de financiamento próprio a ações beneficentes. Com isso, a moda circular – método aplicado pelos brechós – promove a acessibilidade e a solidariedade.

Peças expostas no Brechó Oportunidades. Foto: Juliana N. De Farias.

O consumo consciente ganhou visibilidade após a pandemia. Com pautas ambientais e sociais em destaque, como o aumento da poluição e suas consequências, parte da sociedade busca como alternativa repensar, reduzir e repassar o que se é consumido. Essa nova filosofia vem afetando a economia de diversas Indústrias, e a Têxtil não é uma exceção. Segundo a BBC Brasil, a segunda indústria que mais polui mundialmente é a da moda.

Uma das alternativas adotadas por consumidores para reduzir esse dano ao meio ambiente é a reutilização de peças de segunda mão, também chamados de “Second-Hand”, no inglês. Segundo o Sebrae, antes da pandemia já havia um aumento considerável no número de brechós no Brasil. De 2010 a 2015 a crescente foi de cerca de 210%. Já no contexto pós pandêmico, o estado do Rio de Janeiro registrou um  crescimento de cerca de 50%, sendo o terceiro estado com maior número de estabelecimentos. O surto mundial fez com que parte da sociedade brasileira visse a necessidade de diminuir gastos e gerar uma renda extra. Com isso, vender peças de segunda mão, para muitos,  foi uma alternativa viável. 

O ciclo da moda 

Os brechós são muito mais do que possibilidade para renda própria e redução de poluição, pois, através de preços baixos, configura um caminho para aqueles que querem se vestir bem gastando pouco. Através de peças exclusivas, variadas e vintages, surge também como uma escapatória para tendências impostas pela indústria da moda.

A doutora em antropologia pela Universidade Federal Fluminense e pesquisadora sobre o consumo de moda, Solange Mezabarba, conta que, no Brasil, em seu primórdio, os brechós eram objetos de rejeição e desprestígio devido à discriminação que sofriam na sociedade. Atualmente, o discurso de conscientização e sustentabilidade associado à moda traz consigo uma aceitação a esse tipo de comércio, ao desestimular a indústria a produzir novas roupas. Nessa nova perspectiva, o estilo sobrepõe  a moda, o que afeta  diretamente o setor têxtil, pois  atinge —  de forma negativa — a criação e produção de novas tendências e coleções.  “Há quem opte por comprar em brechós com o discurso de não estarem incentivando a produção de novas roupas na indústria. Isso, claro, impacta o modo como escolhemos expressar nossa identidade a partir da moda. Por que? Porque afeta o sistema da moda que pressupõe todo um esquema de escolha de cores, tecidos e modelos que serão moda na próxima temporada. Como diz o sociólogo Guillaume Erner, a tendência é uma ‘profecia auto-realizável’. Com isso, vemos que a ideia de ‘estilo’ vem se sobrepondo à ideia de moda.”

A indústria da moda funciona de forma cíclica: o que está em alta hoje pode sumir e retornar no futuro. Essa configuração colabora significativamente para o desenvolvimento e afirmação de brechós. Outro fator significativo é a existência de peças consideradas “atemporais”, como por exemplo a calça jeans. No entanto, Solange aponta como o conceito de “moda atemporal” pode ser contraditório, já que a moda, por definição, está atrelada à inovação constante: “ora, a expressão parece paradoxal, e é, se pensarmos que a moda, em suas origens, se ancora na inovação frequente no tempo”. Ou seja, recordando o filósofo Gilles Lipovetsky, houve um tempo em que poderíamos reconhecer um período histórico no ocidente por sua moda. Será que ainda é assim? Se o conceito de “moda atemporal” fizer algum sentido, não há muito o que se discutir quando falamos sobre as preferências de uma roupa vendida em brechó. Ela estará alinhada com outros critérios de preferência e com a faculdade humana de criar – e isso inclui a apresentação de si.

Em Niterói, são promovidos eventos que enfatizam a cadeia regenerativa de vestuários, como o Encontrão de Brechós. Realizado desde 2018 na cidade, trata-se de uma feira que acontece preferencialmente em espaços públicos, e reúne cerca de 20 a 30 barracas dedicadas à moda circular. Bianca Riani, organizadora do encontro, aponta que os  principais objetivos são promover a moda sustentável, valorizar os pequenos empreendedores e mostrar a possibilidade de se vestir bem sem depender das “fast fashions”. 

Banner exposto na Praça Getúlio Vargas. Foto: Juliana N. De Farias. 

A estudante de jornalismo e consumidora de brechós, Daniela Andrade, diz que o que há de mais atrativo em brechós é o prazer da descoberta, pois gosta do  entusiasmo criado no ato de procurar em araras, caixas e pilhas de roupas, garimpar e descobrir peças com potencial. Além de ver  a moda renovável como uma alternativa à imposição de tendências, Daniela destaca trocas realizadas com brecholeiras, pois pode levar alguns itens que não usa mais e receber outros em troca.

A criação de oportunidades 

Através de seus baixos valores, os brechós também são formas de promover a introdução da população de baixa renda no mercado da moda. Onde peças que outrora tinham um valor elevado, tem seu custo reduzido cabendo no orçamento daqueles que não são tão abastados financeiramente. 

Haron Henrique, CEO do Brechó Oportunidades, observa diretamente o impacto que os preços baixos de peças de vestuário têm nas classes mais vulneráveis economicamente. O brecholeiro relembra que, há cerca de 10 anos, ao frequentar brechós e conseguir acesso a roupas vintage e importadas de forma mais acessível, passou a considerá-los como uma “oportunidade” — motivo pelo qual seu estabelecimento recebeu esse nome. Então, decidiu fundar seu próprio brechó, com o objetivo de fomentar a inclusão de pessoas em situação de fragilidade financeira na moda

Sapatos à venda no Encontrão de Brechós. Foto: Juliana N. Farias.

Promovendo a solidariedade 

Há também organizações beneficentes que usam como financiamento à moda. Como o trabalho realizado por determinadas ONGs, projetos sociais e até mesmo instituições religiosas, que através de doações, recebem e vendem roupas, a fim de direcionar o lucro a movimentos sociais.

Um exemplo é a Remar, uma das maiores organizações humanitárias do mundo, que atua nos 5 continentes e em 80 países, com mais de 20 projetos sociais em andamento. Sua ênfase é no combate à fome, mas também são referência no acolhimento de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social. Uma das formas de financiamento da organização é o uso de brechós, onde arrecadam verbas para realizar as ações sociais. As mercadorias chegam através de doações voluntárias e parceiros solidários, além dos membros da organização trabalharem de forma totalmente voluntária. 

As doações são destinadas a três fins: suprir as necessidades das casas de acolhimento Remar, atender famílias cadastradas com itens específicos e abastecer os brechós para suprir despesas operacionais. Eles desenvolvem ações de entrega de alimentos, roupas, brinquedos, móveis, remédios, entre outras coisas essenciais às comunidades carentes onde os projetos sociais atuam.  

Em Niterói, a sede fica na Alameda São Boaventura, 871 – Fonseca, e podem recebem doações tanto diretamente no local, quanto pelo número de telefone (21) 99370-2728.

Outro exemplo de brechó beneficente é a parceria entre o Brechó Solar e a Tenda Tia Maria, que expôs no Encontrão de Brechós. A advogada Stephanie Collares, dona do Brechó Solar, tem como objetivo promover a moda circular e sustentável, além de obter lucro próprio. Mas, ao unir forças com a Tenda Tia Maria — centro religioso de umbanda —, pretende ampliar o impacto social, em busca de contribuir  financeiramente com a instituição religiosa e sua gestão interna, e reunir verbas para ajudar com cestas básicas às famílias em estado de vulnerabilidade social. As mercadorias são obtidas através de frequentadores da Tenda, fornecedores e, também, de itens que Stephanie e sua sócia não utilizam mais.

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