Alô, Gragoatá!

Surfe na montanha: vídeo viral abre discussão sobre o que é esporte

Por: Pietra Maciel

Costão de Itacoatiara.

Foto: Pietra Maciel

No dia 7 de novembro de 2024, o niteroiense Thiago Jatobá publicou um vídeo em sua conta no Tiktok onde praticava, com seus amigos, uma atividade até então desconhecida por grande parte dos jovens internautas, o surfe na montanha. Dois meses após a postagem, o vídeo original  já contava com mais de 12 mil comentários e 4,5 milhões de visualizações, além de ter sido compartilhado por diversos outros perfis nas principais redes sociais. A repercussão aconteceu, principalmente, por conta das piadas sobre o conteúdo do vídeo, presentes nos comentários das redes. 

A prática, realizada em Itacoatiara, Niterói, consiste em fazer a descida do Costão correndo, dando pulos, giros e derrapadas. No viral, Thiago Jatobá diz que a atividade é um esporte local perigoso, o que reforçou as críticas e os comentários em tom de chacota. 

Comentários na rede social “X” (antigo Twitter) ridicularizando o surf na montanha.

Mas afinal, o surfe na montanha é um esporte ou foi uma coisa criada  recentemente por “jovens desocupados”? 

Ana Cláudia Santana, hoje com 53 anos, conta que trabalhou em uma loja de artigos esportivos durante sua adolescência. O foco era a venda de tênis e os praticantes do “surf na pedra” eram um público assíduo: “Quando chegava lá embaixo o tênis estava em frangalhos e por isso era praticamente um par por escalada e descida. Eles procuravam patrocínio em lojas esportivas na época. Na verdade, o ano era 1988.” Porém, a experiência de Ana Cláudia foi durante o início da popularização e fama da modalidade. 

Sérgio Coelho, conhecido como Bicho Solto, criou o surfe na montanha em 1972, quando a praia de Itacoatiara não era tão famosa. Ele já tinha o hábito de subir o Costão e conhecia muito bem a região, o que o possibilitava fazer a descida de maneira rápida e segura. As grandes ondas da praia começaram a atrair os conhecidos de Sérgio- que também surfava no mar- para a região, fazendo com que a subida no Costão se popularizasse. 

“Sempre aparecia um falando que era doido e queria ir pra lá comigo. Quando eu mostrava o jeito que eu descia os caras ficavam ‘Para, pelo amor de Deus, me salva, não sei descer daqui!’. Mas quando começaram a fazer comigo diariamente, pô, começaram a sair uns caras muito bons, quem era de fazer mortal aqui embaixo, começou a fazer lá em cima.” 

Neste período, a atividade já era conhecida pela maioria dos jovens que frequentavam a região oceânica de Niterói. Porém, foi só 15 anos depois que a fama do surfe da montanha tomou novas proporções. 

Sérgio Coelho e Alessandra em frente ao Costão.

Foto: Pietra Maciel

Segundo Bicho Solto, o Jornal do Brasil foi o primeiro a fazer uma matéria sobre a modalidade, em 1987. A reportagem, escrita por Jorge Antônio Barros, ocupava uma página inteira do jornal impresso e recebia o título de Surfe de pedra: A paixão muito louca do verão fluminense. 

A partir daí a imprensa passou a se interessar por Sérgio e pelo o que ele fazia em Itacoatiara. A rádio RPC passou a patrocinar o carioca e jornais e programas de ampla audiência nacional, como Bandeirantes, MTV, Vídeo Show e Programa Legal com Regina Casé, começaram a documentar a modalidade. Até que a repercussão chegou em nível internacional, com matérias no Japão, na Suíça e nos Estados Unidos, onde virou cartão postal. Toda essa fama atraiu um grande reconhecimento: o patrocínio da Coca-Cola. 

Imagem 1: patrocínio da Coca-cola; ; Imagem 2: revista sueca/ Imagem 3: MTV gravando com Sérgio.

Apesar de ter sido criado a mais de 50 anos e ter tido repercussão mundial, não são esses fatores isolados que fazem o Surfe da Montanha um esporte.

Segundo o professor de História do Brasil Republicano, Renato Soares Coutinho, a realização de atividades físicas é algo que sempre esteve presente nas formações sociais ao longo da história, mas o conceito de esporte é mais recente. 

“O esporte é, fundamentalmente, o processo de regramento, de organização, de institucionalização das práticas corporais. A dinâmica do esporte se diferencia, porque as práticas corporais espontâneas não exigem e não foram marcadas por esse processo de organização, de ligas, campeonatos, regulamentos…” 

Quando o esporte passou a se tornar popular, Bicho Solto passou a dar cursos de como descer o Costão de acordo com os fundamentos do esporte: manobra, estilo, resistência e velocidade; e no dia 18 de março de 1992, a Câmara Municipal de Niterói emitiu uma Moção de aplausos a Sérgio Coelho pela criação do esporte, confirmando a veracidade da classificação. Alessandra, que pratica o esporte há anos, conta uma das regras. 

“Surfe na montanha tem uma pista, dá para acelerar, dá para frear, tem uma margem, dá para voar. Saiu fora dali, não é surfe na montanha, já é montanhismo, escalada.”

Mesmo reconhecido como esporte, muitas das matérias, ainda nos anos 90, descreviam a ação como loucura, a revista Manchete, por exemplo, usou como título para uma matéria a expressão Loucos de pedra. Bicho Solto afirma não se importar com isso, já que é chamado de louco desde criancinha. 

Página 62 da revista Manchete de 31 de maio de 1997

Thiago Jatobá, o menino do Tiktok, é descrito por Sérgio como uma das pessoas que está levando o legado do surfe na montanha para frente, já que ele é um dos praticantes mais jovens. Segundo o criador do esporte, isso é importante, porque muitas vidas foram salvas pelas pessoas que aprenderam a andar pelo Costão de maneira segura. 

A cultura do surfe na montanha envolve a preservação da fauna e da flora local, além de ser um meio de promover maior segurança para os turistas na praia de Itacoatiara. Com segurança e sempre acompanhado de alguém experiente, a prática do esporte, apesar de sempre dividir opiniões, é importante para a região. 

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