Artistas compartilham suas experiências dentro do meio.
Por Amanda Monteiro
Quando pensamos em grafite, automaticamente pensamos na imagem de um artista fazendo suas artes em muros e paredes. Em muitos espaços artísticos, a presença das mulheres ainda recebe menos visibilidade. Mas as ruas também são repletas de artes delas, que deixam suas marcas como forma de resistência.
A arte urbana surge como um movimento que tem o papel de trazer para as ruas as expressões dos menos favorecidos, por meio de formas, cores e traços nos muros, misturando a crítica e os desafios do cotidiano. Embora seja visto essa popularização recente da Street Art, esse movimento vem tendo já há anos cada vez mais os holofotes da mídia tradicional, das academias de arte e da população em geral.
Junto a outras expressões artísticas, o graffiti faz parte da cultura popular do hip hop, que traduz as vivências da rua por meio da arte. E ainda muito influenciado pela contracultura americana, essa forma de arte se popularizou entre as décadas de 70 e 80, quando decolou para a cidade de São Paulo, que se tornou cenário de ascensão do graffiti em meio à urgência de produzir diferentes expressões que falavam sobre opressões e mazelas sociais, desembarcando, assim, em outras capitais brasileiras nos anos seguintes. Foi duramente freado durante a ditadura militar ao ser associado a vandalismo, ganhando ali seu teor politizado de denúncia e crítica.
Atualmente, sendo cada vez mais desvinculados dessa ideia preconceituosa, graffitis se espalham pelas ruas, conquistam espaço nas galerias e vêm se firmando como elemento vital da composição urbana da cidade de Niterói, conhecida por sua efervescência cultural. O movimento deu origem a uma lei municipal, que entrou em vigor em Outubro de 2013, que libera a prática em viadutos e obriga a Secretaria de Cultura a disponibilizar áreas específicas para os grafiteiros.
Enquanto as ruas de Niterói são decoradas com grafites e murais, um aspecto está em questão: a presença significativa de artistas mulheres nessas expressões artísticas que é uma exceção, não a regra.
O espaço público sempre foi condicionado pelo gênero masculino, enquanto o feminino esteve ligado ao círculo do privado, o que nos leva a entender que, apesar do fato de as mulheres terem desempenhado um papel significativo no mundo da arte contemporânea, e especificamente da arte de rua ao longo da história, ainda é difícil reconhecer sua participação.
Além disso, as mulheres não contam com questões essenciais para o desenvolvimento profissional no campo da arte urbana. A segurança nas ruas, por exemplo, não é garantida, fazendo com que as mulheres sintam a necessidade de sempre estarem acompanhadas para que possam trabalhar com segurança.
Dolores Esos é artista niteroiense formada em cenografia e, atualmente, trabalha como muralista. Ela já realizou diversos trabalhos como grafiteira e compartilhou suas experiências pessoais como mulher neste meio.
“Meu desafio como mulher é o fato de que um corpo de mulher na rua nunca é o dela”, comenta Esos. A artista diz que passou por muitos momentos de aperto por não saber se seria agredida, moradores de rua e outras pessoas que usavam do tom grosseiro e banalizavam sua arte, por conta do machismo.
Dolores reconhece ainda que há uma falta de valorização no trabalho feminino em qualquer local de trabalho, não somente no grafitti.”Já tive situações de pessoas não acreditarem que meu trabalho era bonito demais para ser feito por uma mulher. As pessoas acham que eu sou o ‘O Esos’, então tem muito esse imaginário de que os meus trabalhos são feitos por um homem e não por mim.”
Em uma sociedade desigual, mulheres sempre vão enfrentar dificuldades por causa de seu gênero. Também não há muitos apoios ou incentivos econômicos para as mulheres que são mães e responsáveis por suas famílias.
Nascida em São Gonçalo e atual residente de Niterói, Lya Alves é uma artista urbana que começou a desenvolver seu lado artístico ainda criança, em 2002 e que, em 2015 e 2016 , esteve no auge de sua carreira como grafiteira, conta: “O grafitti não nasceu em incubadora. Nasceu na rua. Concreto e tinta. A arte urbana, mesma coisa. Grafitti é selvagem. O mercado de trabalho também.”
Lya compartilha que, após decidir se tornar mãe, o mercado fechou as portas para ela, entretanto, a artista não se abalou, pois reconheceu que foi uma escolha própria. “O mercado fechou pra mim porque eu parei pra ser mãe. Uma hora Niterói tava toda coberta de pintura minha. Outra hora virou fantasma.”
Lya atualmente é mãe e trabalha com ilustrações infantis. Ela começou sua carreira como grafiteira em 2008, quando criou o projeto social “Filosofitti” para dar aulas a pessoas de comunidade que não tinham acesso a arte. Foi a partir desta troca cultural, ao perceber que a comunidade tinha sua própria arte e linguagem, que seus alunos a ensinaram a grafitar. Seu trabalho sempre teve um aspecto filosófico profundo: com simbolismos, onde o “belo” está em primeiro lugar no trabalho.
“Sempre faço alguma coisa pensando em doar beleza para o mundo”, ela diz.
Embora haja sinais de progresso, ainda há muito a ser feito para garantir que as mulheres tenham uma presença significativa e respeitada nas artes de rua de Niterói e nas demais regiões.
“Acho que em pouco menos de 10 anos consegui ver uma boa evolução de multiplicidades de tema, técnicas e pessoas diferentes. Um pessoal novo chegando com um leque imenso de diversidade, e colocar a mulher em um lugar de fala, e em um lugar físico e geográfico, com certeza faz toda a diferença. Temos conseguido sim abrir portas, estamos sendo bem “teimosas”, sinto muito para quem não gosta, é o que pensamos ultimamente.” diz Esos, que possui uma grande bagagem artística: trabalhou com cenários para teatro, cinema, televisão, além de participar da criação de animação 2D/3D.
A artista ainda faz um comparativo e destaca também os avanços alcançados nos últimos anos: “Nós, mulheres, não damos ouvidos para as críticas. Juntas, nos sentimos mais ouvidas, mais fortes, menos se importando com o certo e o errado. Nos unimos para reclamar de eventos que não colocam meninas, ou colocam 1 para 10 homens. Estamos longe de ser o ideal, mas acredito que já tenha se encaminhado de uma maneira que começou devagar e agora está vindo quase como um atropelo a essa mudança que está chegando.”