Com apenas uma professora negra em sala, estudantes e docentes do curso apontam os impactos da falta de diversidade na formação jornalística
Por Gabriel Santos
A Universidade Federal Fluminense tem no corpo docente do curso de graduação Jornalismo mais de 20 professores em atuação, porém, somente uma das docentes é negra. Essa baixa representatividade é vista não só pelos educadores, mas também pelos estudantes que fazem parte dessa formação.
Milena Carvalho, aluna do segundo período de Jornalismo, reflete sobre como a falta de representação começou ainda no ensino básico:
“Meu corpo docente só tinha uma professora negra. Por mais que a escola fosse muito ativa nessa discussão, a gente não conseguia se enxergar no básico. A gente não conseguia se enxergar nos professores.”, conta ela.
Milena relata como a representatividade impacta na vida dela:
“Eu acho que a representatividade primeiro vem de um corpo docente, porque é o que vai nos inspirar daqui pra frente e também dentro das nossas relações, de estar andando dentro da sua faculdade e conseguir ver pessoas como você acessando e tendo o mesmo acesso à educação.”
E na faculdade ela percebe a continuidade desse problema:
“É uma coisa que eu tô sentindo muita falta, porque pra você estar na universidade, você precisa ir em etapas. E a gente sabe que, às vezes, esses lugares são muito excludentes pra população negra. Então quando a gente não se vê nesses lugares, com esses professores, a gente sente uma falta. E eu sinto que reflete muito.”
Jepherson Rodrigues, estudante dos períodos finais do curso de Jornalismo, relembra como enxergava a universidade no início da graduação e como percebe as mudanças atualmente:
“Antes, a faculdade era um lugar elitizado, era um lugar pouco plural, mas hoje, com muita naturalidade, você vê pessoas de várias raças, de várias etnias, e isso com certeza é algo que é fácil de se observar. Basta passear por um campus qualquer da UFF e você vai perceber isso. Mas isso não acontece muito com relação aos professores.”
Jepherson reforça a importância de termos uma pluralidade nas profissões e no ensino:
“É fundamental que todas as profissões sejam ocupadas por pessoas variadas, acho que o que a nossa sociedade brasileira tem de mais valioso é justamente essa grande mistura que faz com que nós sejamos tão diferentes. Então não faz sentido ter uma única cara, uma única classe social, uma única cor de pele. Eu acho que tudo fica muito mais rico e mais poderoso quando a gente tem pessoas de diferentes origens.”
A carência de professores pretos também é apontada por Etiene Martins, doutoranda, especialista em relações étnico-raciais e atualmente a única professora preta em exercício no curso de Jornalismo da UFF. Ela reforça a importância da presença de docentes pretos nas salas de aula:
“A ausência de professores negros nas universidades tem um impacto profundo e multifacetado no olhar crítico e social dos alunos. Uma delas é limitação de referências e representatividade, até porque a presença de professores negros oferece aos alunos, especialmente aos alunos negros, referências concretas de sucesso intelectual e profissional.”
Etiene também relata como essa desigualdade é sentida na pós-graduação, especialmente no mestrado:
“Assim como na graduação, no mestrado, devido às reservas de vagas para pessoas negras há um aumento de discentes negros, mas não tem uma diversidade. Ainda há uma maioria branca (nas universidades) nesse país que a maior parte da população se autodeclara negra.”
Segundo o IBGE, pessoas pretas e pardas representam mais de 56% da população brasileira. Essa falta apontada por Etiene é reforçada por Jepherson:
“Apesar de existir uma lei federal que rege o sistema de cotas para os concursos públicos, para o acesso de professores públicos às universidades, isso ainda não está sendo suficiente para que exista uma pluralidade de professores. Não existe pluralidade de professores hoje, pelo menos no Brasil. Nós temos uma única professora e ela deu a primeira e a segunda disciplina por um professor negro aqui.”
Apesar da falta de pluralidade, Etiene consegue perceber o aumento do potencial dos alunos pretos e o quanto é importante a sua presença na sala de aula:
“Nesses dois semestres que estou lecionando na UFF tive a alegria de conhecer excelentes alunos e perceber a potência dos alunos negros que me deixa muito satisfeita. Os alunos e as alunas verbalizam a alegria e a inspiração da presença de uma professora negra. Na prática, eu percebo diante da procura dos alunos que nem fizeram a minha disciplina me escolherem como professora orientadora do TCC ou da monografia. Se a maior parte da população brasileira é negra, a maioria dos discentes na universidade também deve ser.”
E Milena Carvalho destaca um dos motivos dessa alegria ao ter uma professora negra em sala:
“Porque um professor vai ser uma grande referência na sua trajetória, às vezes não vai ser naquele período que você tá estudando. Mas, ainda assim, ele é uma referência pra você se ver dentro de uma profissão”
Por fim, o que se espera é mais diversidade, mais presença da pluralidade e uma ação direta de pessoas pretas ocupando lugares como no Instituto de Jornalismo, como reforça Jepherson Rodrigues:
“Em um futuro hipotético, não utópico, espero que a sociedade trabalhe para que esse futuro seja breve, profissionais plurais, negros, indígenas, de quilombolas, de outras etnias, tomarão esses espaços, ocuparão as redações, que eles continuem ocupando como alunos, que vejamos mais professores pretos e pardos nas universidades, que isso represente a nossa sociedade”