Alô, Gragoatá!

CINE ARTE UFF: O CINEMA UNIVERSITÁRIO QUE RESISTE À MARGEM E AO TEMPO

Por Sara Roza

Em meio à rotina movimentada de Icaraí, cercado por um jardim bem cuidado, com grama verde e palmeiras, está um dos mais significativos centros culturais de Niterói. Dentro dele, uma sala espaçosa, com poltronas estofadas organizadas em fileiras simétricas, iluminação suave e uma imensa tela branca cercada por caixas de som nas laterais.  É o Cine Arte UFF, cinema de rua da Universidade Federal Fluminense que, há mais de cinco décadas, resiste como espaço de exibição autoral, formação crítica e acesso democrático à cultura. Em tempos de plataformas digitais e salas comerciais padronizadas, o que se projeta ali vai além das imagens: é a permanência do cinema como arte pública, política e universitária.

Sua fundação resultou do empenho de cineastas, críticos e educadores como Nelson Pereira dos Santos, Fabiano Canosa e Cosme Alves Neto, com o apoio do então reitor Manoel Barretto Netto. A primeira exibição, “Samson”, do diretor polonês Andrzej Wajda, deu início a uma programação voltada para a exibição de obras que escapavam da lógica comercial dos grandes circuitos. Contudo, pouco tempo depois, a repressão do regime militar silenciou temporariamente a tela.

Foi apenas em 1982 que o Cine voltou a operar, reativado por professores e alunos da UFF. Desde então, tornou-se uma parte essencial da vida universitária e cultural de Niterói. Festivais como o Araribóia Cine, colaborações com cineclubes como o Sala Escura e convênios com instituições como a Aliança Francesa ampliaram sua atuação e o alcance de seu acervo cinematográfico.

Em 2018, ao completar 50 anos, a sala foi oficialmente renomeada como Sala Nelson Pereira dos Santos. A programação especial incluiu retrospectivas de diretores como Ingmar Bergman, Glauber Rocha e outros mestres do cinema mundial. A homenagem reforçou a importância simbólica do espaço, um cinema de rua vinculado a uma universidade pública e comprometido com a formação crítica do espectador.

Foto da fachada do Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense onde fica o Cine Arte UFF via site da Universidade. Foto: Site da UFF

“A primeira vez que fui ao Cine Arte UFF foi em março de 2023, na semana de integração do curso. Fiquei impressionada com o tamanho da sala. Um professor subiu ao palco antes do filme: era João Luiz Vieira, um ícone do nosso curso. Ele contou que estava feliz por dar aula ali pela última vez antes da aposentadoria, e que sua primeira aula havia sido justamente naquela sala. Aquilo me marcou profundamente”, relembra Victória Silveira, estudante de Cinema e Audiovisual.

A acessibilidade do espaço também se destaca. Às segundas-feiras, o ingresso custa apenas R$ 5, um atrativo que garante sessões cheias e um público diversificado.

 “Depende do filme, mas o público é bem variado. Em dias com preço mais baixo, a sala enche. Vem gente de todas as idades. Isso ajuda a democratizar o acesso ao cinema na cidade”, comenta um dos colaboradores do Cine.

Além das exibições comerciais e de arte, o Cine abriga mostras estudantis, oficinas e debates. Victória destaca o papel pedagógico do espaço:

“É um lugar onde exibimos nossos filmes, fazemos curadorias, participamos de debates. Isso aproxima a teoria da prática e fortalece o sentimento da comunidade no curso.”

Apesar disso, o espaço enfrenta desafios significativos: falta de recursos, concorrência com plataformas de streaming e redução de apoio institucional. Há ainda pressões externas, como reclamações de prédios vizinhos ao Centro de Artes em dias de apresentações sonoras.

 “Sem investimento público e com a especulação imobiliária avançando, espaços como o Cine Arte correm risco. Eles são vistos como não lucrativos, e por isso, descartáveis. Isso é muito perigoso”, alerta a estudante.

Mesmo assim, o Cine se reinventa. Reformas realizadas entre 2009 e 2014 modernizaram equipamentos, implantando projeção digital 4K/3D e melhorando o sistema de som. Hoje, há planos de ampliar o acesso com recursos de acessibilidade, novas mostras e parcerias com coletivos culturais.

“No Cine Arte UFF, assistimos juntos, mesmo estando sozinhos”, resume Victória.

Um espaço onde o cinema é resistência, encontro e futuro, projetado a cada sessão como um ato de permanência cultural. Na contramão do silêncio e da desinformação, o Cine Arte UFF segue projetando histórias que incomodam, emocionam e despertam.

Serviço:

Endereço: Rua Miguel de Frias, 9 – Icaraí, Niterói. 

Ingressos: valores acessíveis (meia para estudantes); segundas a R$5. 

Site: www.centrodeartes.uff.br/cinearte 

Programação: atualizada no Instagram @cinearteuff.


A equipe do Alô, Gragoatá! tentou contato com o Coordenador de Artes e responsável pelo Cine Arte UFF ao enviar 12 perguntas para maior enriquecimento da matéria, mas não encontrou retorno até o fechamento da mesma.

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