A exposição “Abismo”, exibida no Museu de Arte Contemporânea (MAC) em Niterói, e o individualismo em uma sociedade pós-moderna
Por Isabela Paiva da Silva Bitencourt
Museu de Arte Contemporânea de Niterói – Foto: Isabela Bitencourt
Adentrando o Museu de Arte Contemporânea (MAC), localizado em Boa Viagem na cidade de Niterói, seguindo as rampas vermelhas da obra de Oscar Niemeyer até os salões de seu segundo andar, a exposição “Abismo” do artista niteroiense Rodrigo Pedrosa cumprimenta seus visitantes a partir de uma série de esculturas impactantes. Promovendo por meio da mistura de materiais artísticos, uma reflexão em torno da sociedade contemporânea, expondo seu individualismo, seu isolamento e suas desigualdades. Assim, é por meio da cerâmica e do gesso que o artista expõe um encontro do corpo com a transfiguração, a desfiguração humana.
A exposição, que está sendo realizada entre os dias 09/09 e 26/11, suscita, por meio de seu imaginário artístico, a realização de uma viagem pela natureza humana, de modo que as relações da arte com o cenário contemporâneo acentuam um exame de seu autor em torno da condição do indivíduo em sociedade. Dessa forma, a partir de 20 esculturas, a mostra, que contou com a curadoria de Rafael Fortes Peixoto, traz uma observação em torno da perda da coletividade e a constituição de uma sociedade que toma como base a competitividade, o material e a constituição de uma maior individualização.
Exposição “Abismo” – Foto: Isabela Bitencourt
O conceito de individualismo, trabalhado pela exposição, reflete em uma sobreposição do chamado “eu” ante a um coletivo, representando a consolidação da autonomia moderna em contraponto com os ideais do Antigo Regime. Atribui-se a atenção para os valores e desejos do indivíduo, preceitos como a liberdade de expressão, e a garantia de direitos particulares expressam uma faceta do individualismo. Entretanto, a perpetuação de ideais com um enfoque no indivíduo são alvo de amplas críticas, em especial em torno da construção de uma sociedade egoísta, baseada em suas vontades individuais sem considerar a realidade social comum.
O autor Fiódor Dostoiévski exercita uma análise em torno do individualismo moderno em sua obra “Memórias do Subsolo” publicada em 1864, na qual o narrador, um autodeclarado “Homem do Subterrâneo”, introduz a sua interpretação, por meio de seus pensamentos e memorias, da sociedade em que ele está integrado. Elaborando, assim, um estudo em torno da alienação e da solidão do indivíduo entrelaçadas com uma forte angústia existencial.
Obra exposta em “Abismo” – Foto: Isabela Bitencourt
A solidão demarcada por Dostoievski se insere na realidade visual da obra de Pedrosa: segundo o professor e pastor, Emerson Ferreira, visitante da mostra artística, “Essa exposição, na minha perspectiva, retrata a realidade da sociedade nesse tempo em que estamos vivendo. É um distanciamento, é uma sociedade indo para o abismo e é uma sociedade de isolamentos, onde existem muitas pessoas suplicando mesmo, suplicando talvez até uma atenção para si. E a gente vê essas estátuas, a ideia de se movimentar, mas você vê um certo isolamento da parte deles, parece que eles estão desligados desse mundo. Então, assim, a minha percepção desta exposição é que ela mostra uma realidade através da arte de um tempo em que nós estamos vivendo.”, relato que expõe a expressão da obra, a capacidade do artista de apresentar por meio do dramatismo de figuras retorcidas, o peso da sensação humana na contemporaneidade.
A força da representação da solidão é um tema pungente em “Abismo”, exponenciado pela crítica embutida à obra. Raissa Santos, estudante de Artes da Universidade Federal Fluminense, elucida “Imagine uma rosa murcha voando no meio de vários girassóis, imagino que isso te passe a ideia de solidão, certo? A arte agrega meios de fazer com que a solidão seja representada usando figuras sozinhas, ou diferentes umas das outras, ou até mesmo espaços grandes e objetos pequenos. É uma pergunta interessante porque a solidão faz parte do artista, passamos horas nos dedicando a uma obra de arte, pode ser relacionada a pessoas ou até inspiradas em pessoas, mas à medida que vai sendo produzido é apenas o artista que precisa se fechar no mundo dele e ver o que pode sair de lá.”, revelando um característico isolamento do artista a partir de seu próprio objeto de estudo.
Obra de “Abismo” exposta na parte exterior do MAC – Foto: Isabela Bitencourt
Em torno do tema, a estudante continua, “Arte nada mais é do que um espelho, a arte sempre acompanhou a história, a política, sentimentos e entre outros. Nós vamos ver obras de arte, incluindo músicas, danças, teatro etc., na esperança de nos comparar com o que vivemos ou simplesmente de ver outras pessoas viver, a expressão artística é a liberdade que espelha o tempo.”, assim, a partir de um suposto espelho, Pedrosa expõe as cicatrizes da contemporaneidade, explorando sua solidão, seu egoísmo, sua angústia e seu traços notáveis, como a exploração de uma conexão com o virtual e sua superficialidade.
De acordo com uma pesquisa de 2017 publicada no Periódico Americano de Medicina Preventiva, a utilização de redes sociais por mais de duas horas, implicaria em um aumento do sentimento de isolamento do indivíduo. Desse modo, a conectividade pós-moderna, um marco dos novos meios de comunicação e um fruto do individualismo contemporâneo, seria capaz de amplificar a sensação de solidão abordada pela exposição. O contato contínuo com lifestyles e selfies do mundo virtual, possibilita uma alienação do real por meio de promessas de uma vida perfeita, o que influencia o comportamento do internauta.
O sentimento de angústia trabalhado por meio das obras de “Abismo” ao entrar em contato com a realidade virtual, evidencia a indiferença como um modo de agir do cidadão. Em especial diante da produção em larga escala de diferentes informações. A vasta quantidade de conteúdo disponibilizada de maneira indiscriminada pelas novas tecnologias, influencia na formação de indivíduos hiperconectados. Levando a um consumo sem diferenciação de informações, sendo elas de distintos teores, com uma ampla rapidez, tal como o vídeo de uma influencer digital seguido de imagens de guerra.
Obra exposta em “Abismo” – Foto: Isabela Bitencourt
Assim, tal como a psicóloga, Nathália Demacq, visitante de “Abismo”, colocou, “Essas partes do corpo parecendo que estão meio que se afogando, pedindo ajuda, não sei se essa é a intenção do artista em si, mas foi essa a sensação que me remeteu.”, há um afogamento do indivíduo em meio ao contexto informacional contemporâneo, o que leva a uma indiferença em torno do que lhe é exposto, focando, especialmente, em seu “eu” particular.
A arte de Pedrosa trabalha com um retrato do humano inserido no contexto da atualidade. Segundo Victor Deflon, professor e, também, visitante do museu, “É uma exposição que mostra a visão do artista na interpretação da realidade dos sentimentos das pessoas através dessas imagens das esculturas.”, dessa maneira, uma reconstrução da ótica do artista é produzida por meio de sua arte, introduzindo um debate em relação à contemporaneidade e o abismo perpetuado por ela. Você pode encontrar mais informações em torno da exposição em: