Alô, Gragoatá!

Para além do ingresso: a permanência de pessoas trans na universidade

Aprovação das Cotas é um avanço na ampliação do acesso, mas o processo de inclusão perpassa o zelo cotidiano

Por: Pedro Mattos

Universidade Federal Fluminense. “UFF by Diego Baravelli 02” by Diego Baravelli is licensed under CC BY-SA 4.0.

Em setembro de 2024, a UFF aprovou a implementação de cotas para pessoas trans na graduação e na pós-graduação e tornou-se a primeira universidade do Estado do Rio de Janeiro a adotar essa iniciativa. Segundo a minuta de implementação da política, serão destinadas 1,5 % das vagas para pessoas trans em todos os cursos. Em caso de número fracionário, será arredondado para o número inteiro posterior. A decisão passa a valer já neste ano e é considerada um marco histórico de inclusão pela comunidade acadêmica, mas é apenas um passo em direção à ampliação do acesso à universidade. Como ponderou o coletivo Rede Transvesti UFF em publicação no Instagram, a luta é pelo ingresso, permanência e conclusão da universidade por pessoas trans.

A Celebração da Luta

A decisão foi aprovada de maneira unânime em Reunião Extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFF (CEPEx) e transmitida ao vivo pela TV Universitária da UFF, a Unitevê. A conquista é fruto da mobilização estudantil- que tornou essa uma pauta central da greve estudantil deflagrada no ano passado-, mas, sobretudo, de estudantes trans. O coletivo Rede Transvesti UFF foi o principal articulador da política e o responsável por enviar a proposta inicial à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAES) para iniciar a deliberação e construção conjunta da medida. 

Foi uma resolução muito celebrada pela comunidade acadêmica presente na reunião, em razão dos desafios enfrentados cotidianamente pela população trans e da exclusão histórica dessas pessoas no ensino superior. Segundo nota técnica da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA),  “70% de pessoas trans e travestis são levadas a abandonar a escola no Ensino Médio por inúmeras razões vinculadas ao preconceito familiar, violência na escola e trajetória muitas vezes forçada para as ruas sem apoio e redes de cuidado essenciais para a sobrevivência”.

A mesma nota cita uma pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) para delimitar o perfil socioeconômico e cultural de graduandos nas Instituições Federais de Ensino Superior do Brasil. Foi constatado que apenas 0,2% dos estudantes universitários são pessoas trans ou travestis.

A política de cotas não só representa o alívio da possibilidade de trilhar novos caminhos, mas também a chance da produção de novos saberes na universidade. “Entendemos que essa transformação vai impactar a produção científica, assim como foi com as cotas para pessoas negras e PCD’s. […] É preciso fazer essa reparação para que esses grupos que são constantemente marginalizados acessem a universidade para produzir conhecimento e trazer a sua experiência para dentro da universidade”, afirma a professora Erika Frazão, Coordenadora de Equidade e Inclusão da PROAES.

A mobilização estudantil presente na Reunião do CEPEx. Entre eles, o DCE-UFF e a Rede Transvesti. Imagem: Reprodução/ Unitevê- TV Universitária da UFF

O zelo e a permanência

O ambiente acadêmico ainda é um lugar de contradições para as pessoas trans. Se, por um lado, permite uma maior inclusão e aceitação, por outro, ainda impõe obstáculos na trajetória delas. Conforme relata Elai Finn Domingues, estudante de artes da UFF, ainda há a predominância de um olhar cisnormativo que trata a comunidade trans como exótica e exterior ao ambiente acadêmico. Além disso, o nome morto- aquele que era utilizado antes da transição de gênero- é evocado nas relações institucionais.

Elai relembra uma experiência na qual precisou conversar com a coordenação de outro curso. “Me apresentei com o meu nome e com os meus pronomes e a pessoa me respondeu com o meu nome morto e com os pronomes errados. Quando o questionei, disse de forma protocolar que a UFF apoia os estudantes trans”, diz.

“O pessoal das artes é bem receptivo, foi um lugar onde me senti à vontade para ser quem sou, principalmente entre estudantes […], mas acho que ainda falta enxergar as pessoas trans como parte da comunidade acadêmica, não como algo que está fora”, conclui Elai.

A política de cotas é um esforço no sentido de ampliação ao acesso, mas há também a necessidade de aprimoramento no tratamento cotidiano, reivindica a mobilização estudantil. “Para além da aprovação das cotas trans, é importante o compromisso por parte da reitoria de garantir a permanência e a segurança dessas pessoas no espaço acadêmico”, pediu Nicolas Fully, estudante de graduação e articulador do coletivo Rede Transvesti UFF, durante a reunião do CEPEx. 

Para tal, a proposta aprovada prevê a criação de uma Comissão Especial para Pessoas Transgêneras (CEPT), que será responsável por dar suporte pedagógico e psicológico a esses estudantes visando facilitar a permanência, além de acompanhar denúncias de fraude.

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